BOCA N. 32: AS CAUSAS DOS
INCÊNDIOS
Após prolongado jejum
resolveu este escriba regressar ao ativo para mandar mais umas bocas, desta vez
sobre os incêndios, mais algumas, a juntar às milhentas que se têm dito e
ouvido ao longo deste estio.
Por que motivo a nossa floresta
tem sido consumida pelas chamas de forma tão violenta?
Em primeiro lugar a nossa
floresta não tem ardido como se diz para aí pelo simples facto de, em bom
rigor, não termos floresta. Salvo raras e honrosas exceções, em que se vê
trabalho feito com cabeça, tronco e membros, tudo o resto se resume a um imenso
matagal, para não dizer um imenso depósito de entulho, paraíso para javalis e
afins, fruto de anos e anos de deixa andar de todos e mais alguns, a começar
pelo cidadão comum, passando pelo poder local e terminando no Governo da República.
O comum dos mortais não limpa por que os
demais também não limpam como se eu para lavar as partes baixas também
necessitasse que os outros fizessem o mesmo. É típico do português. Só paga se
outros pagarem primeiro. Mas quando toca a receber não se importa de dar o
exemplo.
Mas muitas vezes, verdade
seja dita, não limpa realmente por que não pode, visto que por esse interior
fora, os braços fortes na flor da idade são cada vez mais escassos. Já
imaginaram os idosos em apoio domiciliário ou internados nos lares da terceira
idade a serem obrigados a fazer exercício físico na limpeza dos seus terrenos
ou pagar a quem o faça? Por alguma razão estão num lar e por algum motivo, em
grande parte, são subsidiados pela segurança social. Dividam a área de cada
concelho pelo número de habitantes e vejam quanto teria cada um que limpar
incluindo crianças e velhos. É difícil ver isto?
Já o senhor Presidente da
Câmara não manda limpar por que não quer, sendo mais fácil dizer que não tem
poderes para o fazer. Na verdade sabe perfeitamente que, em determinadas
situações, tem competência para notificar o faltoso e, em caso de
incumprimento, mandar limpar o terreno e depois apresentar a conta. Há uns
anitos atrás inclusive tinha poderes para aplicar coimas aos relapsos, mas
cumpriu esta missão tão bem que se entendeu atribuir essa função a outrem.
Mentira? Não. Verdade. E sabem qual a razão? A coisa funcionou, funciona e há
de sempre funcionar mal por que, em especial no interior, a esmagadora maioria
dos proprietários incumpridores são idosos. Ora, sendo o eleitorado grande
parte constituído por potenciais infratores, fazer cumprir a lei revela-se
fatal na hora de colocar a cruzinha no quadrado situado no lado direito do
boletim. Eles sabem disso melhor que ninguém, portanto por esta via
dificilmente a coisa vai ao lugar.
O Governo também não limpa
nem manda limpar mas a outro nível. Se começasse a varrer o excesso de matéria
inflamável concentrada na capital, ou seja, se tivesse a coragem de tirar do
Terreiro do Paço os milhares de funcionários que, para além da intriga política,
pouco adiantam, mas que ainda assim, para o interior davam um grande jeito,
quanto mais não fosse para o repovoar de gente carecida de comer, beber e algo
mais, talvez as coisas se compusessem. Se o governo em vez de atribuir vistos
de ouro aos especuladores em imobiliário na capital concedesse esses vistos a
quem se propusesse adquirir propriedades no interior com a obrigação de as
manter limpas e devidamente ordenadas talvez as coisas melhorassem. Então por
que não faz nada disto?
Relativamente à primeira
questão não faz por que não tem o mínimo de virilidade para não usar a
expressão bem nacional relativa aos que têm determinadas partes anatómicas fora
do sítio. Por isto, sob o argumento gasto de que assim é mais fácil ir a
despacho, mantém na capital um sem número de órgãos e serviços que podiam
perfeitamente estar em Beja ou Bragança e por que não em Aljustrel ou Freixo de
Espada à Cinta. Mas era preciso ter coragem para enfrentar esses funcionários e
os grupos de pressão que os representam. Já viram o impacto que uma medida
deste tipo teria para essas regiões? Teria, mas dificilmente terá.
Relativamente à segunda
questão não faz por que não tem vontade em terminar com as alcavalas de toda a
espécie associadas a este tipo de negociatas. Inteligência era conceder os
vistos dourados aos estrangeiros que comprassem propriedades no interior, com
determinada dimensão, obrigando os candidatos a negociar a compra de várias
parcelas pequenas, fazendo assim o emparcelamento que por outras vias não é
possível fazer, mas repovoando o território, facilitando o ordenamento futuro
da floresta e com isso a prevenção dos incêndios. É mais fácil toma lá da cá,
tanto para ti tanto para mim e uns trocos para o Estado.
E por tanto falar em
idosos não é o zé-povinho, mas sim o Governo, que dá autorizações de residência
e benefícios fiscais ao estrangeiros de classe média, geralmente também idosos,
que decidem viver no Algarve. Não pode conceder melhores condições, ainda, aos
que se propuserem viver no interior? Eu dava, por que sei quantas casas vagas
há na minha aldeia e quanto essa medida significaria para o interior, mas não
sou visto nem achado no assunto.
Depois, o problema não é
só falta de limpeza: é falta de tudo.
É muita falta de tino.
Quem decidiu mudar toda a estrutura da proteção civil na véspera do início da
época de fogos? Eu não fui. E quem é que pôs os comandantes de bombeiros da
zona do restolho alentejano, ou outras, a comandar o combate a incêndios no
pinhal do centro interior? Eu também não.
É muita falta de
vergonha. Por um lado deixar apodrecer os meios de combate a incêndios de que a
força aérea dispunha para dar o negócio a privados e depois pedir ajuda a
Espanha que manda aviões precisamente da força aérea. Eles, pelo menos, não têm
dificuldade em dar horas de voo aos pilotos, já em Portugal é o que se sabe.
Quem tem culpa disto? Eu, talvez…. Já que ninguém a quer assumir.
É muita falta de caráter.
Quando vejo alguém, na força da vida, com o logradouro cheio de lixo, a
criticar os bombeiros, que são voluntários, e podiam estar na praia a banhos,
de nada fazerem, fico agoniado. E o problema é que não são nem um nem dois. São
aos milhões os que pensam e agem assim. Os bombeiros são voluntários ou
esqueceram-se disso? O que fazem, e fazem bastante, fazem-no altruisticamente.
É muita falta de
competência. Negociar um contrato para fornecimento de comunicações para a
proteção civil, isentando o concessionário de responsabilidade em caso de força
maior, até dá soluços. Mas não admira... Com linhas em postes de madeira a
passar precisamente pelo meio da floresta queriam o quê? Interrogo-me como não
tiveram a brilhante ideia de usar as próprias árvores para passar as cablagens
assim à laia de arraial das festas de Verão. Se fosse só isto. Com a maior
parte dos serviços de proteção civil sem dispor de um simples gerador nas suas
instalações que possa colmatar uma falha de energia durante um incêndio ou
inundação, está tudo dito. Já imaginaram um posto policial sem eletricidade
durante uma ocorrência deste tipo? Pois não, mas é assim. De futuro, sugiro que
adquiram viaturas com a ressalva de que podem não funcionar nos dias de chuva
ou de sol, nas subidas ou descidas. Ou, já agora, para tudo ficar a condizer,
nomearem para a proteção civil pessoal que só possa ser empenhado na Primavera
ou no Outono para não correrem o risco de enfrentar incêndios ou inundações.
É muita hipocrisia. Sabem
quantos agentes de autoridade são necessários para encerrar uma estrada?
Vários, como é evidente. Quantos estão ao serviço permanentemente em cada
concelho? Poucos ou nenhuns. E se tiverem de mandar evacuar alguém podem coagir
a pessoa a abandonar a residência? Não, como é lógico. E quantos bombeiros
profissionais há nas corporações do interior? Cinco? Quais as suas funções?
Motoristas e equiparados? E não precisavam de mais? Então porquê tanta celeuma
sobre o tema se não são abordadas as questões nucleares?
E mais não digo, mas não
é por falta de assunto. É mesmo por agonia.