sexta-feira, 18 de agosto de 2017



BOCA N. 32: AS CAUSAS DOS INCÊNDIOS


Após prolongado jejum resolveu este escriba regressar ao ativo para mandar mais umas bocas, desta vez sobre os incêndios, mais algumas, a juntar às milhentas que se têm dito e ouvido ao longo deste estio.
Por que motivo a nossa floresta tem sido consumida pelas chamas de forma tão violenta?
Em primeiro lugar a nossa floresta não tem ardido como se diz para aí pelo simples facto de, em bom rigor, não termos floresta. Salvo raras e honrosas exceções, em que se vê trabalho feito com cabeça, tronco e membros, tudo o resto se resume a um imenso matagal, para não dizer um imenso depósito de entulho, paraíso para javalis e afins, fruto de anos e anos de deixa andar de todos e mais alguns, a começar pelo cidadão comum, passando pelo poder local e terminando no Governo da República.
 O comum dos mortais não limpa por que os demais também não limpam como se eu para lavar as partes baixas também necessitasse que os outros fizessem o mesmo. É típico do português. Só paga se outros pagarem primeiro. Mas quando toca a receber não se importa de dar o exemplo.
Mas muitas vezes, verdade seja dita, não limpa realmente por que não pode, visto que por esse interior fora, os braços fortes na flor da idade são cada vez mais escassos. Já imaginaram os idosos em apoio domiciliário ou internados nos lares da terceira idade a serem obrigados a fazer exercício físico na limpeza dos seus terrenos ou pagar a quem o faça? Por alguma razão estão num lar e por algum motivo, em grande parte, são subsidiados pela segurança social. Dividam a área de cada concelho pelo número de habitantes e vejam quanto teria cada um que limpar incluindo crianças e velhos. É difícil ver isto?
Já o senhor Presidente da Câmara não manda limpar por que não quer, sendo mais fácil dizer que não tem poderes para o fazer. Na verdade sabe perfeitamente que, em determinadas situações, tem competência para notificar o faltoso e, em caso de incumprimento, mandar limpar o terreno e depois apresentar a conta. Há uns anitos atrás inclusive tinha poderes para aplicar coimas aos relapsos, mas cumpriu esta missão tão bem que se entendeu atribuir essa função a outrem. Mentira? Não. Verdade. E sabem qual a razão? A coisa funcionou, funciona e há de sempre funcionar mal por que, em especial no interior, a esmagadora maioria dos proprietários incumpridores são idosos. Ora, sendo o eleitorado grande parte constituído por potenciais infratores, fazer cumprir a lei revela-se fatal na hora de colocar a cruzinha no quadrado situado no lado direito do boletim. Eles sabem disso melhor que ninguém, portanto por esta via dificilmente a coisa vai ao lugar.
O Governo também não limpa nem manda limpar mas a outro nível. Se começasse a varrer o excesso de matéria inflamável concentrada na capital, ou seja, se tivesse a coragem de tirar do Terreiro do Paço os milhares de funcionários que, para além da intriga política, pouco adiantam, mas que ainda assim, para o interior davam um grande jeito, quanto mais não fosse para o repovoar de gente carecida de comer, beber e algo mais, talvez as coisas se compusessem. Se o governo em vez de atribuir vistos de ouro aos especuladores em imobiliário na capital concedesse esses vistos a quem se propusesse adquirir propriedades no interior com a obrigação de as manter limpas e devidamente ordenadas talvez as coisas melhorassem. Então por que não faz nada disto?
Relativamente à primeira questão não faz por que não tem o mínimo de virilidade para não usar a expressão bem nacional relativa aos que têm determinadas partes anatómicas fora do sítio. Por isto, sob o argumento gasto de que assim é mais fácil ir a despacho, mantém na capital um sem número de órgãos e serviços que podiam perfeitamente estar em Beja ou Bragança e por que não em Aljustrel ou Freixo de Espada à Cinta. Mas era preciso ter coragem para enfrentar esses funcionários e os grupos de pressão que os representam. Já viram o impacto que uma medida deste tipo teria para essas regiões? Teria, mas dificilmente terá.
Relativamente à segunda questão não faz por que não tem vontade em terminar com as alcavalas de toda a espécie associadas a este tipo de negociatas. Inteligência era conceder os vistos dourados aos estrangeiros que comprassem propriedades no interior, com determinada dimensão, obrigando os candidatos a negociar a compra de várias parcelas pequenas, fazendo assim o emparcelamento que por outras vias não é possível fazer, mas repovoando o território, facilitando o ordenamento futuro da floresta e com isso a prevenção dos incêndios. É mais fácil toma lá da cá, tanto para ti tanto para mim e uns trocos para o Estado.
E por tanto falar em idosos não é o zé-povinho, mas sim o Governo, que dá autorizações de residência e benefícios fiscais ao estrangeiros de classe média, geralmente também idosos, que decidem viver no Algarve. Não pode conceder melhores condições, ainda, aos que se propuserem viver no interior? Eu dava, por que sei quantas casas vagas há na minha aldeia e quanto essa medida significaria para o interior, mas não sou visto nem achado no assunto.
Depois, o problema não é só falta de limpeza: é falta de tudo.
É muita falta de tino. Quem decidiu mudar toda a estrutura da proteção civil na véspera do início da época de fogos? Eu não fui. E quem é que pôs os comandantes de bombeiros da zona do restolho alentejano, ou outras, a comandar o combate a incêndios no pinhal do centro interior? Eu também não.
É muita falta de vergonha. Por um lado deixar apodrecer os meios de combate a incêndios de que a força aérea dispunha para dar o negócio a privados e depois pedir ajuda a Espanha que manda aviões precisamente da força aérea. Eles, pelo menos, não têm dificuldade em dar horas de voo aos pilotos, já em Portugal é o que se sabe. Quem tem culpa disto? Eu, talvez…. Já que ninguém a quer assumir.
É muita falta de caráter. Quando vejo alguém, na força da vida, com o logradouro cheio de lixo, a criticar os bombeiros, que são voluntários, e podiam estar na praia a banhos, de nada fazerem, fico agoniado. E o problema é que não são nem um nem dois. São aos milhões os que pensam e agem assim. Os bombeiros são voluntários ou esqueceram-se disso? O que fazem, e fazem bastante, fazem-no altruisticamente.
É muita falta de competência. Negociar um contrato para fornecimento de comunicações para a proteção civil, isentando o concessionário de responsabilidade em caso de força maior, até dá soluços. Mas não admira... Com linhas em postes de madeira a passar precisamente pelo meio da floresta queriam o quê? Interrogo-me como não tiveram a brilhante ideia de usar as próprias árvores para passar as cablagens assim à laia de arraial das festas de Verão. Se fosse só isto. Com a maior parte dos serviços de proteção civil sem dispor de um simples gerador nas suas instalações que possa colmatar uma falha de energia durante um incêndio ou inundação, está tudo dito. Já imaginaram um posto policial sem eletricidade durante uma ocorrência deste tipo? Pois não, mas é assim. De futuro, sugiro que adquiram viaturas com a ressalva de que podem não funcionar nos dias de chuva ou de sol, nas subidas ou descidas. Ou, já agora, para tudo ficar a condizer, nomearem para a proteção civil pessoal que só possa ser empenhado na Primavera ou no Outono para não correrem o risco de enfrentar incêndios ou inundações.
É muita hipocrisia. Sabem quantos agentes de autoridade são necessários para encerrar uma estrada? Vários, como é evidente. Quantos estão ao serviço permanentemente em cada concelho? Poucos ou nenhuns. E se tiverem de mandar evacuar alguém podem coagir a pessoa a abandonar a residência? Não, como é lógico. E quantos bombeiros profissionais há nas corporações do interior? Cinco? Quais as suas funções? Motoristas e equiparados? E não precisavam de mais? Então porquê tanta celeuma sobre o tema se não são abordadas as questões nucleares?
E mais não digo, mas não é por falta de assunto. É mesmo por agonia.