sábado, 26 de dezembro de 2015





BOCA N. 25: O PAI NATAL É MÃO DE VACA?

Antes de mais deixem-me dizer que não tenho rigorosamente nada contra os presentes de Natal, pelo contrário: se o menino Jesus mesmo em tempo de penúria teve direito a oferta de ouro, incenso e mirra por que é que nós também não havemos de ter direito em tempos de maior abundância.
O problema é que, em regra, mesmo que não seja o caso, pensamos sempre que, naquilo que nos diz respeito, calha-nos sempre mais mirra do que ouro.
No início a culpa era do pai natal e bem vistas as coisas compreendia-se perfeitamente que, para quem tinha de processar tanta mercadoria, se pudesse enganar nalguma. O mais chato é que ano após ano o desgraçado parecia ser sempre o mesmo. Num ano eram umas bolachitas baunilha, no outro eram uns mini-chocolates regina (bem bons por sinal) e só alguns anos mais tarde um pequeno complemento em numerário: inicialmente vinte e cinco tostões e depois cinco mil réis. Há quase cinquenta anos era assim.
A fase do pai natal cedo foi ultrapassada. Podia lá ser. Como é que o trenó deslizava na calçada sem acordar toda a gente a meio da noite? Como é que o pai natal descia pela chaminé se era gordo? Como é que entrava nalgumas casas se nem chaminé tinham?Como é que tinha tempo de distribuir tudo numa noite se para distribuir a correspondência havia não sei quantos carteiros?
Portanto, a partir de certa altura, tinha aí uns dez anitos, comecei a pensar para mim mesmo: se quereis que eu pense que é o pai natal que nos traz as prendas eu faço-vos a vontade desde que, venham de onde vierem, mesmo fraquitas, continuem a vir.
A partir dessa altura, confesso, passei a ser um "idiota assumido" movido simplesmente pela ganância e assim atravessei toda a adolescência que, para este efeito, é a melhor fase da vida. Enquanto não trabalhamos - o que acontece cada vez mais tarde e nalguns casos nunca acontece - somos beneficiários do sistema sem termos a obrigação de contribuirmos para ele e isto é ouro sobre azul: temos o direito de exigir quantidade e qualidade sem ter o dever de retribuir em conformidade.
A partir do momento em que somos adultos, ou melhor, a partir do momento em que entramos na vida activa a coisa começa a piar diferente: para pior, diga-se. A partir deste momento temos de entrar no jogo e se queremos receber algum temos também de investir algum sob pena de estarmos calados. Aqui é que a porca troce o rabo e vem ao de cima a tal lenga-lenga do chouriço e de presunto: há indivíduos que só dão uma chouriça rançosa se tiverem a garantia de receber um presunto pata negra e isso desmobiliza qualquer um, por mais generoso e desinteressado que seja, de continuar a dar, dar mais e dar mais ainda.
Essa coisa de dizer que quando damos não temos intenção de receber nada em troca dá-me um bocado a volta às tripas. Será que há alguém que não se farte de tanta generosidade, sobretudo sabendo que quem recebe tem tanto ou mais condições de dar?
Não me parece. Quem dá gosta igualmente de receber o que não significa que seja toma-lá dá-cá que, em grande medida, é o que acontece no Natal.
O que verdadeiramente nos alegra é a surpresa de receber algo vindo de outrém sem motivo aparente. É isso que nos acalenta o ego e nos motiva a continuar a ser generosos. Por isso, meus amigos, se puderem dar no Natal, façam-no, mas se isso servir para justificar e compensar tudo o que não se fez durante o ano então mais vale estar quieto.
Hoje, quase cinquenta anos depois não tenho dúvidas. A culpa dos nossos desencantos não é, pois, do pai natal. A culpa é nossa porque nós somos o pai natal e, como diz o povo, e com razão, "o Natal é quando o homem quiser". Assim sendo, se o pai natal não é mais generoso com determinada pessoa há de ter certamente as suas razões.

Bocaslusas

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Boca n. 26: Palyboy ou playwear?

A notícia de semana foi sem dúvida.... a notícia da semana foi sem dúvida a decisão da Playboy norte americana de terminar com a publicação de nú integral. Pensavam que a notícia da semana tinha a vitória da PAF nas eleições? Pois enganaram-se. O que é isso comparado com a notícia de que, doravante, as coelhinhas da playboy vão posar de gabardine. Já viram as repercussões que isso terá nas vida dos machos adultos. Daqui para a frente se quisermos ver algo que valha a pena teremos de comprar a laredoute e dar uma vista de olhos pela secção de langerie.
Está visto. Até aqui para posarem para a playboy as madames enchiam as fussas de botox e punham plástico em tudo o que era sítio porque de contrário não tinham lá lugar. No futuro vai ser uma desgraça. Desde que tenham uma cara laroca serve tudo, mesmo que por baixo da indumentária tragam as peles ao dependurão. Não me admira que um dia destes estejamos a comer gato por lebre e que por debaixo da vestimenta se esconda eu sei lá o quê. Sujeitamo-nos a fazer uma figura do caraças perante os amigos.
Que grande porcaria. Para que quero eu uma revista com mulheres vestidas?
Não creio que com esta medida consigam aumentar as vendas. E pá, no mínimo a mulher aparecia vestida na primeira página e ia tirando a roupa nas seguintes de forma que na página final aparecesse descascada. Quanto mais não fosse numa foto pequenina e a preto e branco, mas um homem tem de ver o fundo ao tacho, senão não compra. Não estou a ver ninguém ir comprar a revista à boca pequena para depois ver mulheres a mostrar roupa. Quem quer ver moda vai a Paris ou a Milão e enche a barriga para o ano todo.
Assim não vão lá. O leitor só compra se lhe garantirem que pelo menos uma vez por ano sai uma revista surpresa com as mulheres peladas como era costume, assim mais ou menos como nas raspadinhas.
Quer dizer. Quando era suposto inovarem e começarem a editar revistas acompanhadas de óculos para o leitor ver as mulheres em três dimensões e apalpa-las se lhe apetecêsse, vêm com essa treta dos agasalhos. É um retrocesso monumental.
Já estou a ver a linha editorial. As fotos vão ser tiradas com alguma indumentária colocada estrategicamente de maneira que tenhamos de virar e revirar a página de todos os ângulos possiveis e imaginários só para ver uma bordita. Vai parecer aquela cena do analfabeto que lê o jornal ao contrário.
Prestem atenção: esta alteração vai dar mau resultado.
É verdade. Os homens fartaram-se de ver mais do mesmo. Já não têm pachorra para ver pitas deslambidas que não aguentam vinte minutos de panela de pressão. Os homens adultos andam numa de nostalgia bem visivel na quase paixão que nutrem pelos carros antigos. Com as mulheres é o mesmo. Querem mulheres vintage e com mecanica simples. Que se lixe a electrónica e a fibra de vidro.


sexta-feira, 24 de julho de 2015


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Boca n.º 24: Quem é que conseguiu o acordo entre a UE e a Grécia? Resposta: fui eu e o pão com chouriço.



Talvez a maior parte dos Portugueses não saiba mas fui eu quem, à última hora, conseguiu que os chefes de governo da União Europeia chegassem a acordo com o governo grego relativamente ao terceiro resgate á Grécia. A coisa estava manhosa eram para aí umas cinco e tal da manhã, quando eu, para quebrar o gelo entre gregos e alemães, me lembrei de ir comprar uns pães com chouriço a um tasco propriedade de emigrantes portugueses que já estava aberto para o mata bicho da manhã. Como ainda ninguém tinha dado pela minha presença - pensei eu - era muito provável que também não desse pela minha ausência, portanto podia meter-me ao caminho sem problema nenhum. E assim foi, acabei por ir e regressar e ainda estavam todos precisamente onde e como os tinha deixado. À direita a Merkel rodeada pelos seus acólitos de dentes afiados; à esquerda o Tsipras com o rabito entre as pernas. Coitado, até metia dó. Cheguei mesmo a comover-me, mas porra: ele fez por merecer e agora tinha de aguentar a penada.
Quando reentrei na sala onde decorria a reunião com os pães com chouriço dentro de um saco de papel, o primeiro ministro de um país nórdico acenou-me com o dedo que ali não era permitida a entrada a pessoas estranhas, muito menos a padeiros, pelo menos foi isso que entendi no meu inglês manhoso. A cena foi confrangedora e estive para o mandar para um certo sítio, não fosse a intervenção de um primeiro ministro vizinho que me conheceu e me veio puxar pelo braço. Quer dizer, eu na melhor das intenções estava ali com uns bons trinta e cinco pães com chouriço já a contar com os mais lateiros, além de um garrafão de abafadinho, e um viking de nome impronunciável estava a impedir-me de entrar na sala. Bem, só acabei por o perdoar porque tive pena do homem tal a reprimenda que o meu amigo espanhol lhe deu: he pá, então tu não conheces o meu amigo português? Voltas a fazer uma cena destas e levas um pontapé no traseiro ou tu pensas que por seres nórdico podes fazer o que quiseres ao pessoal do sul. 
O mal deles era mesmo fome. A reunião tinha começado a meio da tarde e o jantar viste-o. Não admirava, pois, que àquela hora já estivessem baralhados das ideias. Assim que pus a mercadoria em cima da mesa as hostes acalmaram-se. Era vê-los: alemães, finlandeses, franceses, italianos, espanhóis, belgas e mais uns quantos - que nunca me tinham sequer dito bom-dia ou boa-tarde - a fisgarem-se no meu pão com chouriço. Oportunistas. Sim, oportunistas é o que eles são. Só se lembram das pessoas quando necessitam, mas pronto. Deus está lá para ver estas coisas e o dia do julgamento final há-de chegar. Pelo menos o Tsipras aperta-me a mão mesmo sabendo que não vou à bola com ele e por isso também lhe dei um pão porque nós portugueses não somos como os Hunos do centro e norte da Europa que só dão um pão a quem lhes dá um presunto.
Como vinham uns pães a mais a Merkel alambosou-se logo com dois e passados cinco minutos engasgou-se- Eu estava a ver que lhe dava o badagaio logo ali. A mulher levou as mãos à garganta e ficou mais vermelha que um pimento, mas ninguém se atreveu a tocar-lhe. Quem é que tinha a coragem de mexer na mulher? Ninguém. Mais valia que esticasse o pernil ali mesmo do que interceder por ela e depois ser acusado de ofensas à integridade física ou assédio. Um austríaco andava ali em redor a ver se ela bebia um copito de "abafadinho" para desobstruir a via, mas sem grande convicção. Naquela altura fiquei inclusive com a ideia de que aquela corja, sobretudo os franceses, belgas, holandeses e todos os outros que à setenta anos foram invadidos pela Wermarch, estavam na expectativa que a mulher se finasse mesmo.
Foi o Tsipras, meus amigos, foi o Tsipras. Foi ele que num momento de lucidez e coragem pegou na Merkel pela parte de trás e num movimento rápido lhe apertou o abdómen fazendo-a expelir o pedaço de pão com chouriço que por acidente lhe entrara por onde não devia. O que se passou dali em diante fica no segredo dos deuses, mas digo-lhes somente uma coisa. A Merkel deu tantos beijos ao Tsipras que este regressou a Atenas todo encieirado.
Certo é que o episódio do pão com chouriço foi visto entre os presentes como uma mensagem de Deus, ou seja, foi entendido como uma profecia: o todo-poderoso queria o acordo a todo o custo  e fez tudo o que estava ao seu alcance para o obter por intermédio da minha pessoa. Aquele pão com chouriço foi providencial para o acordo e fui eu quem o dei à sr.ª Merkel, embora já tenha ouvido uns boatos que foi fulano, sicrano e beltrano. Isso é mentira. Não acreditem. Admito que os invejosos dos franceses quando me viram dar-lhe o pão com chouriço também lhe deram um pedaço de brioche ressequido, mas o que verdadeiramente engasgou a Merkel foi o toucinho tostado que estava no interior do pão que eu lhe dei. As imagens do circuito interno de televisão não mentem e a verdade virá ao de cima daqui a cinquenta anos quando as imagens forem desclassificadas.
A verdade, verdadinha, quer queiram quer não queiram é que, se a Grécia vai receber o terceiro resgate, a mim e ao meu pão com chouriço o deve.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Boca n. 23

A escrita sobre coisas sérias dá uma trabalheira do caraças e não tem receptividade nenhuma. O povo quer lá saber que a Grégia esteja pelas ruas da amargura, que o Papa ande em viagem apostólica pela américa latina ou que os EUA e Cuba se aprestam a abrir embaixadas. Qualquer destes assuntos não influi nem contribui para a felicidade das pessoas, sobretudo para aquelas, e são muitas, que vivem a sua vidinha como a formiga obreira: vai para lá, vem para cá, hoje, amanhã e depois, faça chuva ou faça sol, sobe, desce, come, dorme, vai para lá, vem para cá, hoje, amanhã e depois, faça chuva ou faça sol, sobe, desce, come, dorme e.....vai para lá e para cá e assim sucessivamente.
São muitas pessoas nestas circunstâncias, ou melhor, são demasiadas pessoas nestas circunstâncias. Milhões delas neste pequeno rectangulo à beira-mar plantado que pouco mais fazem do que garantir a sua própria subsistência e para quem nada mais interessa do que a satisfação das necessidades básicas.
Compreendo. Quando se tem uma refeição na mesa sem ter de reserva algo que permita cozinhar a refeição seguinte não há tempo para pensar em mais nada que não seja como e onde conseguir as batatas e a carne para meter dentro do tacho daí a umas horas.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Boca n. 22: Grécia e mais Grécia

Não tem por hábito este modesto escriba estender a pena várias vezes sobre o mesmo assunto, até porque usa este espaço como forma de exercitar os neurónios torcidos e retorcidos com os problemas profissionais, sempre mais do mesmo, que dia após dia tem no local de trabalho. Porém, a subsistência do impasse na situção grega e, sobretudo, o discurso emperdenido e bafiento que tem ouvido dos nossos governantes e alguns dos seus acólitos, obriga-nos a quebrar esta regra.
Compreendemos a preocupação extrema com os mercados, os tais que nos levaram à desgraça de um momento para o outro sem sabermos muito bem porquê. Bem, não somos obtusos a ponto de não reconhecer que muitas patifarias fizemos - se não fizemos consentimos que fizessem - mas isso não significa que a partir de determinado momento fizemos de cordeiro porque os lobos têm de ter sempre um cordeiro para comer. E o próximo a ser comido é sempre o mais fraco seja aqui ou noutra parte qualquer do planeta.
Dito isto, podemos perceber e aceitar que, agora que a taxas de juro estão baixissimas por tudo menos pelo facto de o nosso país ter melhorado significativamente, o Governo tenha a oportunidade de substituir dívida cara por outra substancialmente mais barata e com isso fazer um brilharete como se a relativa facilidade de acesso ao mercado fosse mérito seu. Só não diz que os mercados compram dívida portuguesa duas ou três vezes mais do que a oferta porque simplesmente continuamos a ser, ainda assim, o país que mais paga pelos juros da dívida. Pudera, mais vale receber algum do que ter de pagar a quem aceite o dinheiro, como é o caso da Alemanha, como se estivesse a fazer um frete ao cliente. 
Até toleramos as basófias sobre a confortavel almofada que nos permite viver sem sobressaltos alguns meses, mas não se perdia nada que, pela rama, dissesem ao povo que a coisa custa dois milhões de euros por dia em juros, mais coisa menos coisa. O povo engolia isso na boa porque mais milhão menos milhão já ninguém liga.
Até certo ponto podemos admitir que o jogo político joga-se dentro de campo e fora dele, o mesmo que dizer em Portugal e na Grécia, pelo que dá um jeitaço o Governo helénico ir de pantanas em véspera de eleições legislativas entre nós, dando ao nosso Governo a força e a autoridade necessária para poder dizer: estão a ver o que acontece aos habilidosos.
Temos uma compreensão quase infinita sobre estas questões porque a política é mesmo assim. Em política joga-se com as espectativas, por isso nem sempre se diz o que devia dizer-se porque quando se é sincero não se vai a lado nenhum. Portanto, não nos admira nada que o político diga em público precisamente o contrário do que diz em privado.
Aqui reside o cerne da questão. Temos para nós que este Governo é perigoso porque diz em público aquilo que pensa em privado. E di-lo, isso é que nos perturba, convencidissimo que está a dizer a verdade e que ao fazê-lo está a ser diferente de todos os outros porque enquanto os outros mentem em público eles não. 
É pelo facto de estarem convencidos que os portugueses estão muitissimo melhor do que os gregos que os nossos governantes não abrem o pio para censurar o que quer que seja aos programas de resgaste. Se os portugueses agora estão no paraiso os gregos tambem podiam estar se tivessem feito por isso e não vamos agora nós ficar a arder para eles continuarem a espalhar dinheiro a torto e a direito. Além do mais, a sondagem mais recente até já deu a entender que os portugueses estão mesmo no paraiso, ou melhor, os que pensam que estão no paraiso já são um pouco mais do que aqueles que acham que estão no inferno.
Pois bem, caia ou não o governo grego, os portugueses dirão de sua justiça. Quero ver qual o funcionário publico e respectiva família que vai ter a coragem de votar neste governo (sempre há uns quantos masoquistas que gostam de levar no.... e pedem mais, mas não são assim tantos). Quero ver qual vai ser o reformado que vai votar na coligação (sempre há meia-dúzia de ex-políticos profissionais com reformas douradas que são indefectiveis das respextivas cores). Quero ver qual o jovem desempregado, incluindo os milhares de pseudoempregados, que vai votar na dita gente (sempre há uns jotitas que ganham a vida a colar cartazes para quem a coisa está boa).
Ainda assim, honestamente, gostavamos que a gente que nos tem dirigido nestes últimos anos continuasse mais algum tempo. Não que tenhamos especial predilecção pelos personagens, pelo contrário, mas porque os queremos ver morder a lingua e provar do próprio veneno. Para nosso mal, diga-se, porque vamos sofrer mais uns bons anos. 
Quando os mercados começarem a despertar e as taxas de juro voltarem, no mínimo, aos valores habituais antes da crise - basta os 3% da ordem nos empréstimos mais longos - quero ver onde o Governo deste país vai buscar dinheiro para pagar os juros dos duzentos e muitos mil milhões de dívida pública correspondentes aos centro e trinta e tal por cento do PIB que o imaculado programa de resgate gerou. Depois venham dizer que foi o outro. Depois venham dizer que os gregos, afinal, não tiveram tanta culpa assim.
Nessa altura, se ainda cá estivermos, talvez não sejamos tão benevolentes como até ao momento. Queira Deus ou o diabo - o Estado é laico mas as pessoas podem não ser - que nessa altura essa corja tenha o destino do tal conde que galgou a varanda em 1640.

Bocaslusas



sábado, 13 de junho de 2015

Boca 21: a pulseirinha da moda


O tema do momento é indiscutivelmente a suposta alteração da medida de coação imposta ao ex-PM Eng.º José Sócrates de prisão preventiva para prisão domiciliária com aplicação de pulseira electrónica. Houve muito burburinho mas não chegou a saber-se claramente se, afinal, a alteração foi mesmo proposta ao ex-PM e este recusou ou se, ao invés, perante a manifestação pública da intenção de não aceitar a medida esta não lhe foi sequer apresentada, decidindo o juiz pela manutenção da prisão preventiva. Não nos interessa em particular o caso do ex-PM, como sempre, mas enquanto representativo do elevadíssimo número de casos de prisão preventiva em Portugal, o caso serve de mote à discussão, por outras palavras apresta-se a umas quantas bocas.
Quando alguém é preso preventivamente a primeira coisa que ocorre dizer ao cidadão comum, especialmente quando está em causa um político é o seguinte: “já vai tarde” ou “ainda cá ficam muitos”. Na mente do trabalhador que se levanta ao cantar do galo para ganhar meia dúzia de trocos no final do mês deviam ser todos presos desde o presidente aos ministros, passando pelos secretários de estado, sem esquecer os directores-gerais. Todos, do primeiro ao último, deviam estar atrás das grades.
O povo pensa e a justiça responde. Bem ou mal os juízes têm vindo a fazer aquilo que o povo exige ao mandar os delinquentes primários, secundários e terciários aos magotes para trás das grades no estrito cumprimento da lei. Um cidadão pode estar preso preventivamente durante seis meses, um ano ou dois anos simplesmente porque a lei permite e ponto final. Portanto, se não quiserem que um pobre desgraçado esteja na choça tanto tempo sem saber às quantas anda basta fazerem muita força para que a lei seja alterada. E razões não faltam.
Em primeiro lugar convém ressalvar que não há nenhum ordenamento jurídico que este escriba conheça que não tenha prisão preventiva. Já imaginaram o que seria viver num país em que a lei obrigasse o suspeito a ser julgado imediatamente após o cometimento do ilícito. Seria um país de justiça em cima do joelho com resultados facilmente imagináveis. E se o julgamento não fosse realizado de imediato mas o suspeito não pudesse ficar detido preventivamente como seria? A resposta é fácil de adivinhar. Se fosse culpado e a pena correspondente fosse daquelas de fazer moça a primeira coisa que o suspeito fazia era pôr-se ao fresco de maneira a que a justiça tão depressa não lhe pusesse os olhos em cima. Se ao crime correspondesse uma pena merdosa, ainda assim o suspeito não perderia a oportunidade de baralhar as contas à investigação, destruindo provas, coagindo testemunhas, etc. E quando o crime estivesse entranhado no sangue das pessoas o que é que acontecia? Acontecia que o suspeito ainda não tinha acabado de cometer um crime e já estava a cometer outro e mais outro, ou seja, ainda não tinha sido julgado do primeiro crime e já tinha cometido mais umas dúzias deles. E quando o povo se fartasse e fizesse justiça pelas próprias mãos, linchando o suspeito na praça pública? Concluiu-se, portanto, que até para defesa do próprio suspeito é bom que exista a prisão preventiva.
A questão que se põe é outra. Como é possível prender-se alguém preventivamente e depois não conseguir produzir uma acusação no espaço de seis, sete, oito meses. Então os pressupostos que servem para manter alguém preso preventivamente não são suficientemente fortes e consistentes para obter uma condenação dessa pessoa em julgamento? Reside aqui uma contradição incompreensível: pode dizer-se que os pressupostos da prisão preventiva estão essencialmente direccionados para a boa prossecução do inquérito, mas não pode olvidar-se que todo o tempo que é passado em prisão preventiva é descontado no tempo de prisão que efectivamente venha a ser aplicada ao arguido, o que significa que esta prisão dói tanto como a outra. É precisamente a mesma coisa: os piolhos e os percevejos que existem na cela do preso preventivo não são diferentes do que existem na cela do preso condenado. Portanto, quando se prende alguém preventivamente, a investigação já tem de estar suficientemente consolidada e avançada a ponto de permitir o julgamento num curto espaço de tempo. É necessário fazer perícias de última hora – façam-se; é necessário esperar por documentação relevante – espere-se; é necessário preparar toda a logística do julgamento – prepare-se. Mas não se mantenha ninguém atrás das grades porque a polícia e o MP não são competentes o suficiente para investigar os suspeitos no seu habitat natural.
Dá a impressão que a lei não permite escutas telefónicas, que a lei não permite fazer localização celular, que a lei não permite fazer apreensões de correspondência, que a lei não permite fazer filmagens, que a lei não permite tirar fotos, que a lei não permite fazer vigilâncias, que a lei não permite fazer seguimentos, que a lei não permite fazer buscas, que a lei não permite fazer revistas, que a lei não permite fazer exames, que a lei não permite fazer perícias, que a lei não permite interrogar testemunhas, que a lei não permite fazer acareações. A lei permitiu e permite tudo isto e mais qualquer coisa. Inclusive a lei, entenda-se outras leis, permitiram construir melhores instalações para as polícias (o corpo superior de policia criminal não pode queixar-se dos milhões que foram gastos na sua luxuosa sede), permitiram comprar mais e melhores viaturas, permitiram adquirir material e equipamento mais moderno e permitiram, dentro do possível, remunerar melhor o pessoal.
Então o que é que falta para que a investigação criminal funcione e não necessite de prender para investigar? Falta uma coisa simples. Falta cortar o mal pela raiz, encolhendo o prazo de duração da prisão preventiva para um período aceitável. Um mês é pouco, dois meses talvez não chegue, mas em três meses faz-se muita coisa se houver profissionalismo. E, em bom rigor, salvo casos pontuais, que diferença faz à investigação o facto de o arguido estar em prisão preventiva ou com obrigação de permanência na habitação (é assim que a vulgar prisão domiciliária se denomina)? Não faz diferença nenhuma a não ser que se tenha especial prazer em ver alguém preso a aguardar julgamento. Tenho para mim que, salvo casos contados, a maior parte dos presos preventivos podiam estar perfeitamente na sua residência sem que daí adviesse mal nenhum ao mundo.
Que perturbação da investigação o arguido pode fazer se está confinado a casa? As comunicações podem estar sob escuta, os contactos com certas pessoas podem ser proibidos e quanto ao resto por favor: se um homem confinado à sua habitação põe a investigação em perigo das duas uma, ou o homem é um mestre do crime ou a polícia e MP são incompetentes.
Quanto ao perigo de fuga dá que rir. Então um indivíduo corta a pulseira electrónica e vai para onde? Na Europa mal se descuida está recambiado através de mandado de detenção europeu. Para fora da Europa que eu saiba tem de ir de avião, a não ser que seja bom nadador. Mas para ir de avião tem de passar pelos aeroportos. Ora, não passa pela cabeça de ninguém que um arguido em obrigação de permanência na habitação não conste no sistema informático dos aeroportos como estando proibido de sair do país.
E quanto ao alarme social nem se fala. Se um indivíduo está na cadeia a sociedade mantém-se calma e serena. Se o mesmo indivíduo estiver em casa sem possibilidades de sair para ir ao barbeiro, à padaria ou à tasca a sociedade mantêm-se tão calma e serena como estava dantes.
A diferença, esta é que é a grande diferença, é que um desgraçado que esteja atrás das grades preventivamente sem necessidade imperiosa de lá estar, está a ser vilipendiado num direito que devia ser preservado até ao último momento: o direito de se defender. Quer se queira quer não, alguém que está preso sem que isso seja de todo necessário, está pura e simplesmente a ser tolhido na sua capacidade de defesa. O que pode fazer um individuo, ainda que seja culpado, no interior de uma cadeia, sem acesso a meios de comunicação, com visitas controladas, etc., para contrariar a máquina do Estado empenhada em juntar as provas para obter a sua condenação. Aliás, sob o ponto de vista dos princípios a máquina do Estado corporizada pelo MP assistido dos órgãos de polícias Criminal não devia tão e somente preocupar-se em obter a verdade. Devia empenhar-se na obtenção da verdade material que implica muitas vezes trazer ao processo provas que contrariam a tese da própria acusação, assim elas se deparem no percurso da investigação.
Infelizmente estamos num mundo imperfeito em que os princípios valem o que valem, ou seja, valem nada. A partir do momento em que o investigador se convence da culpabilidade de alguém, como é óbvio, direcciona a investigação no sentido de comprovar a sua tese, excluindo tudo o que possa abonar em favor do arguido e não tenhamos dúvidas que durante a investigação nem tudo o que é apurado é desfavorável ao arguido. Mas para isso existe o arguido, atrás das grades, como é evidente, e o seu advogado, se tiver dinheiro para lhe pagar. Esta é a verdade material que temos.

Bocaslusas

sexta-feira, 5 de junho de 2015


BOCA N.º: 20: AI JESUS TANTO MILHÃO

A notícia da semana, para não dizer a notícia do mês, senão a notícia do ano, até ao momento, foi sem duvida a transferência do JJ para o Sporting. Que outra notícia levaria a minha cara metade a ter a coragem de me acordar à uma hora da madrugada para me dizer que o JJ se tinha passado para o lado da lagartagem. Quando os meus filhos nasceram  a meio da noite só me deram a notícia de manhã, quando morreu o Papa só me deram a notícia no dia seguinte e vem agora perturbar-me o sono para me dizer que o JJ vai ganhar mundos e fundos para o Sporting. Vai mas é dar uma volta que eu nessa não caio. Então o Sporting não pode com uma gata pelo rabo e vai pagar... Quanto? E pá deixa-me dormir senão atiro-te com um chinelo.
E com isto virei o corpinho para o lado tentando retomar o sono interrompido assim de forma abrupta. Entretanto, enquanto a pestana não fechava novamente fui pensando: ela está a brincar com a coisa, mas gostava de ver o pagode se o JJ desertasse.
No dia seguinte caí na real. Era verdade, o homem abandonou mesmo os vermelhuscos. Que grande porra, eu que até nem apreciava especialmente o personagem vou ter de levar com ele no meu clube. Agora vou mandar bocas acerca de quem. Aquelas conferências de imprensa a seguir aos jogos eram de partir o caco. Só visto. A cena do "somos imundes a pressões" foi de morte. E agora?
Agora olha. Tenho de calar o trombil,  levar com ele e esperar que comece a ganhar tudo e mais alguma coisa porque o graveto que nos vai esmifrar dava para comprar fruta como o caraças e se calhar ganhávamos bem mais com bem menos. Já viram? Seis milhões por ano. As contas são fáceis de fazer. Férias e começa não começa a treinar vão dois meses de costas ao alto, logo sobram dez de «trabalho». Limpinho: seis milhões a dividir por dez dá seiscentos mil por mês; a dividir por trinta dias dá vinte mil euros por dia; ou seja, dez mil euros em cada meio-dia. O homem levanta-se já o sol vai alto e já encaixou dez mil dele enquanto estava a xonar. Portanto, dez mil em doze horas, cinco mil em seis horas, dois mil e quinhentos em três horas. Porcaria. E agora não dá conta certa a divisão de dois mil e quinhentos por três. E pá, paguem lá seis milhões e mais uns pózinhos ao mister para esta treta dar certo. Tem alguma piada o homem ficar a ganhar oitocentos e qualquer coisa euros à hora. No mínimo davam-lhe novecentos à hora o que a dividir por sessenta minutos dava conta certa: quinze eurinhos por minuto. Já agora vamos ao pormenor sem ir buscar a calculadora. Quinze euritos por minuto dá tanto como uma notita de cinco em cada vinte segundos o que dá uma moedinha de euro em cada quatro segundos, tudo se resumindo a uma bagatela de vinte e cinco cêntimos por segundo. Estou a ver. O contrato foi feito assim: meus amigos por cada batida do meu coração bota para cá vinte cêntimos e mais umas pastilhas gorila pagas com as sobras para eu mascar no banco e nas conferências de imprensa.
Vai dar raia, vocês vão ver. Quando a coisa começar a dar para o torto e aquele coração entrar em taquicardia o Bruno vai ter de acampar à porta da casa da moeda. Para pagar ao homem vai ter de instalar umas maquinetas como aquelas que há nos casinos e a cada horita cada uma delas vai ter de ter parir uma enxurrada de moedas de vinte cêntimos para dar ao JJ. Quero ver se vai manter aquele vozeirão quando começar a inchar a sério e ouvir os carolas aos berros: " ó Bruno de Carvalho vai para o tal sítio" ou "ó Jesus vai para o mesmo sítio do Bruno".
Para já vamos aguardar para ver. Vamos dar o benefício da dúvida ao JJ porque ele afinal era lagarto desde pequenino e nós não sabíamos. Agora vamos ver se ele é um lagarto a sério, daqueles que nós na beira baixa chamamos de sardão e abrem a boca assim como os crocodilos para amedrontar os inimigos ou vamos ver se ele é assim do tipo osga ou salamandra. Estas parecem lagartos mas não são. Aliás as salamandras são venenosas e os outros répteis até as evitam.
Nem gosto dessa cena da lagartagem. Prefiro o leão.  Estou convencido que ele tem coração de leão, determinação de leão e juba de leão. Esta saiu sem crer... Peço desculpa. Mas estou ansioso por ver o maior felino à superfície do planeta rugir e lançar as garras as esses lampiões, digo a essas catatuas que vai não vai voam e já não voltam. Estou desejoso de ver o rei da selva malhar forte e feio nos dragões que este ano devem estar assadinhos por dentro porque não se lhes viu vomitar chamas como é costume.
Mas desejava muito mais que tudo se tivesse passado com elevação. Agora a sério. O JJ tem o direito de ir para onde bem entender, incluindo o Sporting. E o Sporting também tem o direito de rescindir o contrato com o MS ainda que este tenha feito um óptimo trabalho e seja um excelente treinador, mas atenção. Rescindir significa pagar aquilo a que ele tem direito sem andarem com subterfúgios para não lhe pagar. Nós Sportinguistas, gente de bem, sabemos bem o que está a ser feito e se não é parece. E o que parece é e não me convencem do contrário: o treinador que acabou de ganhar uma taça de Portugal e fez terceiro lugar com um orçamento da chacha levou um pontapé no traseiro e foi posto no olho da rua à má fila. Agora alega-se justa causa por não vestir a fatiota oficial uma vez. Por não ter isto. Por não ter aquilo. Estou triste.
Estou a ver o filme. O pensamento é o seguinte: se queres receber aquilo a que achas que tens direito recorre ao tribunal e talvez daqui a uns anos te resolvam o assunto, mas como entretanto te vais fartar vais baixar a bolinha se quiseres receber uns trocos bem abaixo daquilo a que tens direito. Coisa linda.
Ó Marco, aceita o conselho de um sportinguista que manda umas bocas foleiras mas tem vergonha na cara e não se revê neste tipo de actuação. Deixa os tribunais resolverem o assunto e a verdade há-de vir ao de cima. Nessa altura provavelmente estarás a singrar na vida porque tens valor para isso e se for no Benfica que seja. Como diz o povo "o último a rir ri melhor" e no teu caso não te rias somente. Dá umas valentes gargalhadas.
E pronto, ganha os jogos todos menos aqueles em que defrontares o Sporting.

Bocaslusas.

sexta-feira, 22 de maio de 2015



Boca n.º 19: Policias, bastões e engravatados


O tema da semana foi indiscutivelmente a intervenção da polícia após o final do Jogo entre o Benfica e o Vitória de Guimarães muito pela contundência das imagens captadas pelas câmaras da televisão. De facto, a avaliar somente por aquilo que nos foi dado a ver – não a ouvir – custa a aceitar que um agente da autoridade, especialmente um graduado investido em funções de comando, tenha tido uma intervenção tão enérgica e desproporcionada em face da ameaça que aparentemente se lhe apresentava.
 Aproveitamos para deixar bem vincado que todo o excesso deve ser punido de forma exemplar mas não em cima do joelho sob pressão da opinião pública. Não nos parece que um polícia, só pelo facto de o ser, deva ser pré-condenado sem direito a contradita como se a verdade da outra parte sustentada na força das imagens fosse uma verdade absoluta. A verdade, seja ela qual for, emergirá naturalmente de todo este emaranhado de contra-informação como o azeite se eleva na água por mais turva que esta se apresente. Não adianta, pois, mexer e remexer a água na ânsia de diluir a gordura que ela acabará por se revelar. Dito isto, nem mais um segundo perdemos com este caso em concreto.
Todavia, em abstracto o assunto interessa-nos sobremaneira. Compreendemos todo este burburinho porque a notícia é o homem morder no cão e não o contrário. Alguém quer saber se um caniche, um rafeiro ou um são bernardo mordeu numa pessoa? Claro que não: se o cão se sente ameaçado - morde. Nada mais normal. Mas se alguém morder num cão o caso muda de figura porque supostamente o homem não tem reacções de primata: o símio morde nos outros animais mas o homem não. Posto isto, perguntamos. Alguém se preocupa em saber por que motivo estas coisas acontecem contra a ordem natural das coisas? As televisões não têm interesse em investigar por que motivo algumas pessoas passaram a usar as mandíbulas para tudo menos para aquilo para que elas deviam servir? Deviam, mas não o fazem para muita pena nossa.
Se os órgãos de comunicação social, especialmente as televisões, tivessem a mínima motivação para se inteirar das razões descobririam coisas interessantíssimas. Descobririam, por exemplo, que parte substancial dos polícias não tem o mínimo prazer em ir policiar jogos de futebol, do glorioso ou do cascalheira, porque tanto num caso como no outro são obrigados a passar cerca de três horas a pé firme, sem pestanejar e a ouvir de tudo e mais qualquer coisa pela porcaria de pouco mais de vinte euros a receber dai a uns bons meses – alturas houve em que eram anos – depois de feitos os respectivos descontos. É verdade, depois de uma semana de serviço em turnos rotativos, de dia e de noite, com umas quantas horas mal dormidas pelo meio, são obrigados a fazer os serviços ditos “gratificados” a troco de tuta-e-meia sem possibilidades de recusa.
O cidadão comum já se interrogou se é legitimo obrigar alguém a abdicar do seu escasso tempo livre em prol da realização de um evento cujo interesse público é questionável. Se a realização de um jogo de futebol tem interesse público – nalguns casos admitimos que sim – a polícia devia ser mobilizada para esse evento no horário normal de serviço e sem pagamento da dita gratificação de miséria, como é óbvio, mas em compensação respeitava-se o direito ao descanso que lhe é devido após uma semana de trabalho. É assim em todo o mundo dito civilizado.
A opinião pública deste país devia saber que há muitos polícias, quem diz polícias diz guardas, a trabalhar entre a meia-noite e as seis ou oito da manhã a que se segue o policiamento de um jogo de futebol às três da tarde com obrigação de estar no local uma hora antes. Façam contas. São apenas seis ou oito horas de diferença entre serviços, incluindo o tempo da refeição pelo meio. Alguma televisão se deu ao trabalho de indagar se era verdade que, nalguns casos, entre as oito da manhã e as duas da tarde o moiro ainda tem de fazer mais um extra forçado pelas dez da manhã nos campeonatos das camadas jovens. Pois é, não sabem mas quando a coisa dá para o torto já estão em cima do acontecimento. Não interessa se o mainato está mais morto do que vivo, não interessa se tem os nervos à flor da pele de tanto cansaço e não interessa se no final do jogo vai fazer outra noite sem ter recuperado da anterior. Interessa é haver sangue e quanto mais melhor.
A verdade é só uma mas tem duas faces como as moedas, Uma delas é exposta sempre que o polícia mete o pé na poça mas a outra contínua oculta como se não existisse porque não interessa. O chamado jornalismo de investigação – o tal das câmaras ocultas que de tempos a tempos entra pelos hospitais – devia também acompanhar dissimuladamente os polícias nas suas actividades para demonstrar os cidadãos exemplares que povoam este país à beira-mar plantado. Seria extremamente interessante ver como certos indivíduos se dirigem ao agente da autoridade como se ele fosse um burro em forma de gente num país em que qualquer indivíduo que use gravata exige mordomias de sr. Dr. ou de V. Ex.ª. Os portugueses não sabem – mas deviam saber – que não é raro os polícias levarem um detido a tribunal para julgamento às nove da manhã após uma noite de serviço e às duas da tarde ainda estarem na sala de espera a aguardar por uma satisfação. Grande consideração por um profissional que estafou o coiro durante toda a noite e na hora de ir para a cama ainda teve a coragem de não virar costas à prática de um crime.
É por estas e por outras que vai-não-vai apontam a pistola à têmpora e acabam-se as desfeitas. As televisões deviam indagar quantos policias se suicidaram nos últimos anos em resultado deste estado de coisas. Deviam investigar o têm feito as chefias para combater este flagelo. Deviam questionar se a inspecção-geral do ministério da administração interna faz a mínima ideia do que se passa. Deviam saber se o ministro da tutela tem opinião formada sobre o assunto. Deviam, mas não fazem por que isso não dá share (porcaria de palavra).
O polícia deve ter – e tem – a preparação adequada para enfrentar certas contingências, não podendo reagir por impulso. Todavia o polícia é um homem não é um autómato e como tal não está isento de em condições extremas se desviar do padrão de conduta que era espectável da sua pessoa. Será justo condenar alguém sem fazer a mínima ideia das razões subjacentes a uma determinada tomada de posição? Não parece. Portanto, quando assim é mais vale deixar os juízos de valor para as instâncias adequadas porque é nesses fóruns que as verdades vêm ao de cima. Isto não significa, como é óbvio, que não tenhamos a nossa opinião sobre as coisas mas não podemos ignorar que a nossa verdade vista à distância é sempre, e tão só, uma meia-verdade. Ora com meias-verdades não se faz boa justiça sobretudo quando alguém pode ser punido disciplinar e criminalmente.
Quando alguém pode ser punido a dobrar, como é o caso, o mínimo que se exige é que haja igualmente o dobro da diligência no processo punitivo. E se for culpado – puna-se.
Bocaslusas



  


sábado, 16 de maio de 2015



Boca 18: Jovens delinquentes e míldio da videira


O país dito de brandos costumes foi esta semana surpreendido com notícias de crimes cometidos por jovens, alguns com contornos verdadeiramente lamentáveis. Estes casos são bem ilustrativos de uma certa juventude que este país pariu e continua a parir, felizmente não ilustrativa da generalidade dos jovens, mas ainda assim suficientemente expressiva para nos preocupar seriamente. Sem particularizar, quais as razões que levam alguém tão jovem a cometer crimes tão hediondos? Não somos arautos da verdade, mas só não vê quem não quer.
Como diz o povo “o que nasce torto dificilmente se endireita” ou “reles cepa não pode dar bom vinho”. É verdade, se a casta não presta o máximo que se consegue produzir é uma mijoca que nem para temperar a salada serve, mas a casta não é tudo. Uma boa trincadeira ou castelão também não produz pinga que se veja se não for plantada em solo adequado e com condições atmosféricas a condizer. Podem perguntar. Numa vinha de casta seleccionada com solo equilibrado e microclima perfeito não surgem por vezes focos de míldio? É verdade. Há coisas inexplicáveis, se a vinha foi toda tratada da mesma maneira custa a compreender a razão pela qual uma ou outra videira é mais propensa à «ferrugem» ou «pulgão», mas isso não significa que se abandone o tratamento da vinha. O problema é saber qual o tratamento mais adequado.
Em primeiro lugar convém referir que cada um só pode actuar na sua própria vinha. Portanto, por mais diligente que se seja, os resultados ficarão sempre aquém se os vizinhos não forem igualmente diligentes. As videiras são como as batateiras: não adianta rigorosamente nada nós aplicarmos sulfato na nossa horta se os vizinhos do lado forem produtores biológicos. Os escaravelhos vão comer a rama das batateiras deles e de seguida vão comer a rama das nossas. É assim e não há nada a fazer. Mal nos descuidamos as nossas batateiras estão iguais ou piores que as deles e vai toda a produção por água abaixo. 
Qual o papel do Estado no meio disto tudo? Se o agricultor diligente não pode ir à sementeira do vizinho dar o mesmo trato que dá à sua, é espectável que seja o Estado a assumir essa função em defesa do bem comum. É para isso que o Estado serve. Devia servir mas não é bem assim e os exemplos por esse país fora são a prova da nossa razão. Peguemos mais uma vez numa figura que nos é familiar para elucidar a natureza do problema.
Quem viaja frequentemente pelo interior do país sabe que há anos prolifera uma praga de nemátodo que tem dizimado o pinheiro bravo a passo galopante. Perante isto o Governo tomou algumas medidas no sentido de controlar o problema mas sem resultados. Pinheiro após pinheiro, o infestante tomou conta de toda a floresta a ponto de, hoje em dia, nalgumas regiões as plantações e respectivos proprietários estarem completamente arruinados. E porquê? Porque os sucessivos governos não foram suficientemente diligentes para não dizer que foram altamente negligentes. Por causa dessa treta do direito de propriedade bla, bla, bla, foi-se consentido que meia dúzia de proprietários bardinas se estivessem a marimbar para o fenómeno e o resultado foi a propagação da doença a ponto de agora não haver volta a dar. O efeito prático tem sido a substituição do pinheiro pelo eucalipto o que, adaptado ao caso, equivale à substituição de gente de bem por gente mal formada simplesmente porque as primeiras deixaram de ter condições para viver num país que sempre foi o seu. O Estado devia ter tido mão forte e ter ordenado o abate imediato de todas as árvores doentes. Acredito até que o tenha feito, mas depois não foi confirmar se a lei foi ou não cumprida e não agiu em conformidade para com os incumpridores. Perante o incumprimento só tinha ele próprio de ter pegado na motosserra, abatido as árvores doentes e apresentado a factura ao dono. Não o fez e agora não pode dizer que não teve culpa no cartório: teve e muita. Em vez de pinheiro bravo produtor de boa madeira e resina temos agora eucaliptos que secam tudo à sua volta.
Os problemas da nossa juventude não são muito diferentes dos problemas da nossa agricultura e silvicultura. Uma grande franja da nossa juventude é assim como as sementes geneticamente modificadas. Antigamente a nossa agricultura suportava-se no cultivo de espécies autóctones bem adaptadas à pobreza do solo e clima adverso. O resultado era fruta saborosa, mas com mau aspecto. Actualmente opta-se cada vez mais por sementes transgénicas que crescem em qualquer solo e resistem às intempéries. O resultado são frutos vistosos mas que não sabem a nada.
Não venham para cá com teorias e mais teorias. As coisas chegaram a este ponto porque as pessoas consentiram. As ervas daninhas cresceram porque alguém as deixou crescer. Mais grave, as ervas daninhas cresceram porque alguém as regou todos os dias, lhes deitou adubo para que crescessem mais depressa e as tratou melhor do que as espécies para consumo. No que deu? A horta está toda infestada de ervas daninhas e agora os tomateiros e os pimenteiros definham no meio delas.
E agora? Bem, agora das duas, uma: ou catamos urgentemente as ervas daninhas enquanto é possível; ou num futuro próximo teremos de pulverizar hectares e hectares de sementeira eliminando simultaneamente as ervas daninhas e não daninhas.
Não queremos isto, certamente. É menos nocivo arrancar as ervas daninhas, uma a uma, pela raiz, enquanto é tempo e se possível queimá-las para que a semente não fique na terra e no ano seguinte volte a crescer.
O que pretendemos dizer é simples. No nosso ordenamento jurídico a imputabilidade penal alcança-se aos 16 anos, o que significa que a partir desta idade alguém que cometa um crime é responsável pelos seus actos. Porém, até aos 21 anos existe um regime especial que faz com que, na maior parte dos casos, os crimes cometidos por jovens nesta faixa etária sejam penalizados de forma muito ligeira. Bem ou mal? Se calhar bem, até ao momento, mas perante aquilo a que temos vindo a assistir nos últimos tempos talvez seja chegada a altura de começar a discutir este assunto. Se um indivíduo a partir dos dezoito anos pode votar e, como tal, contribuir para a decisão de uma coisa tão importante como o governo do seu país é porque tem a maturidade necessária ao exercício desse e outros direitos. Ora, se tem a maturidade que se exige ao exercício do direito de voto como um cidadão com quarenta anos, não tem de ser menos penalizado quando não cumpre com as suas responsabilidades. Se aos 14 anos já tem maturidade a ponto de questionar as decisões dos seus pais, se aos 14 anos já sabe tudo, então talvez também deva passar a ser responsabilizado em termos penais a partir dessa idade. Responsabilizado e bem de forma a cortar o mal pela raiz.
Reconhecemos que o excesso não nos leva a lado nenhum mas a permissividade conduziu-nos ao lugar onde nos encontramos. Se formos ver o que andam alguns dos pequenos grandes criminosos da nossa praça a fazer na escola o que descobrimos? Bem, não descobrimos nada que não saibamos já há muito tempo. Alguns vão lá apenas para desestabilizar os outros, ou seja, vão lá para desaprender e para impedir os outros de aprender. Isto só acontece por culpa da “pedagogia” que nós temos andado a promover há décadas e da qual agora não nos podemos queixar. Se este pessoal fosse todo junto na mesma turma e colocado sob a alçada de professores à moda antiga o assunto estava resolvido: «só se perdia uma turma» e «só se perdiam as que caíam ao lado». Mas não. Estes «meninos» não podem ser juntos na mesma turma para não se sentiram estigmatizados, mas os miúdos de bem que vão à escola porque querem aprender e ser alguém na vida já podem ser estigmatizados.
Depois, e com esta terminamos, o que interessa ter Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo se a intervenção das comissões estiver dependente da autorização dos pais? Vejam bem; perante uma situação de perigo vai perguntar-se ao pais - que muitas vezes deviam ser o primeiros a levar umas chibatadas – se autorizam a intervenção da comissão em prol do bem dos filhos quando são eles os que mais mal lhes fazem.
Está tudo dito.

Bocaslusas

sábado, 9 de maio de 2015



Boca 17: Atropelar um, dois ou três peões. Qual a diferença?


Infelizmente esta semana ocorreu mais um acidente envolvendo peregrinos que se deslocavam para Fátima com a agravante de, desta vez, terem falecido cinco pessoas. Já ninguém consegue devolver a vida a estas pessoas, é um facto, mas, no mínimo, devia aproveitar-se a oportunidade para reflectir sobre o assunto.
Um acidente é isso mesmo: um acidente, ou seja, um acontecimento imprevisto e indesejado pelos seus intervenientes. Para a ocorrência do acidente, seja ele de que tipo for, concorrem sempre diversos factores, no caso de um acidente de viação: a configuração da via, as condições atmosféricas, o estado de espírito dos intervenientes, o estado mecânico dos veículos, etc. Portanto, quem tiver a veleidade de se propor acabar com este tipo de ocorrências terá de ter a arte e o engenho de agir sobre todos os factores que acabamos de enunciar de forma a extinguir a possibilidade de qualquer deles criar condições para a ocorrência do acidente. Como isto é simplesmente impossível não vamos perder mais tempo com esta questão. Os acidentes não deixarão de ocorrer quer queiramos quer não, simplesmente porque não conseguimos agir sobre todas as variáveis do acidente.
Acidentes sempre os haverá, mas há acidentes e acidentes. Não se pode comparar um acidente de viação devido a uma falha mecânica ou condições atmosféricas adversas com um acidente de viação devido a circunstâncias que não queremos sequer chamar à colação por demais conhecidas. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, mas infelizmente tudo parece estar metido no mesmo saco. Um acidente de viação é um acidente e como tal o respectivo condutor não é bem um criminoso logo tem de ter um tratamento soft porque afinal o azar pode bater à porta de qualquer um.   
Será que o cidadão comum faz ideia de que os acidentes de viação de que resultem mortos são em regra subsumíveis ao crime de “homicídio por negligência” que é punido com pena de prisão até cinco anos? Será que o cidadão comum tem presente que, em regra, a condenação em pena de prisão até cinco anos é suspensa na sua execução? Será que o cidadão comum sabe que, tendo em consideração que a moldura penal não ultrapassa os cinco anos, o suspeito da prática do crime de homicídio por negligência não pode ficar preso preventivamente. Será que o cidadão comum tem a noção de que o suspeito da prática deste tipo de crime só em situações devidamente fundamentadas fica detido após o acidente até que seja presente a tribunal?
Duvidamos que saiba e, na verdade, também não é exigível que saiba porque não são contas do seu rosário. Por que tem mais com se preocupar o cidadão comum ignora que o suspeito da prática deste tipo de crime na maior parte das vezes comparece no tribunal mediante notificação dos órgãos de polícia criminal, ou seja, vai porque quer, nada o impedindo de após o acidente se por ao fresco para a cochinchina, quiçá para um país que não tem acordos de extradição com Portugal. O cidadão comum desconhece que embora o suspeito seja obrigatoriamente sujeito a termo de identidade e residência quando comparece em tribunal eventualmente acumulável com outra medida de coacção, só não se põe igualmente a milhas antes do julgamento se não quiser.
Pois é. Um indivíduo põe-se ao volante, vai por essa estrada fora e derruba um, dois ou três e o que é que acontece? Acontecem duas coisas: os desgraçados vão para debaixo da terra e o condutor fica por cá a assobiar para o lado, tanto faz que derrube três, quatro ou cinco como cinquenta. Mesmo que tenha o azar de ficar efectivamente preso, ainda sai muito a tempo de voltar a ter outro «acidente» e derrubar mais uns quantos e assim sucessivamente enquanto houver peões para atropelar. O mal disto tudo é que a fé parece ser exclusiva dos mais pobres porque os mais abastados, pelos vistos, não têm azares na vida. Esta gente vende saúde e transborda de dinheiro pelo que não tem necessidade de andar apeada por essas estradas fora e assim sendo não se sente impelida a mudar este estado de coisas.
Quando estas coisas acontecem aos outros sentimos arrepios mas a vida continua. Quando a tragédia nos bate à porta tudo muda de feição. Nesta altura percebemos que algo está mal, que algo cheira a podre, que algo tem de mudar. A questão nuclear é esta. No nosso país, bem ou mal, é necessário preencher uma série de requisitos para obter uma licença de uso e porte de arma de defesa a ponto de, neste momento, muita gente já ter desistido de o fazer, ainda que objectivamente tenha necessidade de deter uma arma de fogo para auto protecção. Para tirar uma carta de condução é necessário ter dezoito anos de idade e ter disponibilidade para pagar algumas centenas de euros à escola de condução. Pouco mais.
Todavia, se alguém matar outrem com recurso a uma arma de fogo sujeita-se a uma pena de prisão que, consoante as circunstâncias, pode ir até 25 anos, mas se a mesma pessoa decidir cometer um homicídio mediante atropelamento, a não ser que se consiga provar que o fez com dolo, é punido no máximo com cinco anos de prisão e só muito excepcionalmente prisão efectiva.
Este quadro não é minimamente dissuasor. Enquanto assim for, podem crer, continuaremos a ouvir falar de acidentes e mais acidentes em condições que nos fazem coçar atrás da orelha. O nosso ordenamento não incute no condutor a responsabilidade que ele efectivamente tem quando conduz um veículo automóvel, ou seja, não lhe transmite a sensação de que nas suas mãos tem uma arma mortífera e como tal espera que ele tenha um comportamento em conformidade sob pena de ser fortemente penalizado. Cúmulo dos cúmulos, em determinadas circunstâncias o nosso ordenamento jurídico pode punir mais fortemente o furto da viatura do que a morte do dono que se atravessou na estrada na tentativa de reaver.
É assim, infelizmente, e o condutor português sabe disso. É por ter a percepção de que a lei pouco se importa com aquilo que ele faz no exercício da condução que continua a conduzir da forma como o faz. Nós, portugueses, que frequentemente invocamos o que se passa nos outros países para justificar, bem ou mal, o que se passa no nosso, devíamos dar uma vista de olhos pela forma com a lei e as autoridades tratam esta questão na generalidade dos países anglo-saxónicos. Nesses países, tipo Estados Unidos ou Austrália, o exercício da condução é uma coisa séria. Um condutor que seja detectado em violação grosseira das regras de trânsito dificilmente prossegue a condução. O mais certo é ficar apeado e de seguida ser presente a um juiz que lhe põe o dedo no nariz: voltas cá e vais para a cadeia, isto se não fores já.
Nós por cá somos mais brandos: um condutor pode cometer uma infracção, duas, três ou quatro, que, quando muito, leva outras tantas coimas e segue viagem. Para ser detido e ser presente a tribunal por condução perigosa é quase necessário que aconteça aquilo que se pretende evitar, ou seja, o próprio acidente. 
Experimentem deixar-se de princípios e mais princípios e prevejam a possibilidade legal de perante violações grosseiras das regras de trânsito os respectivos condutores ficarem com a carta imediatamente apreendida. Criminalizem o crime de homicídio por negligência como deve ser, autonomizando-o quando cometido através de veículos automóveis e com uma moldura penal pesadinha. Os condutores não pensavam nisto antes de elevarem os copos ao alto? Os condutores não pensavam nisto sempre que pegassem no volante dos seus automóveis? Os condutores não pensavam nisto antes de meterem prego a fundo, ultrapassando pela esquerda e pela direita?
Pensavam sim senhor e se não pensassem lá estavam as autoridades para os lembrar no momento. E para os que tivessem maior dificuldade em lembrar-se havia certamente um lugar onde teriam todo o tempo para o fazer: a cadeia. 

sexta-feira, 1 de maio de 2015



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Boca n.º 16: A TAP vai falir?

Nos últimos dias não se falou de outro assunto a não ser a greve na TAP. Pois bem, ela aí está. Dez dias de aviões em terra. Quem é que tem razão? A resposta é simples e por demais evidente: independentemente das razões que assistem a qualquer das partes, os contribuintes em geral e os passageiros em particular são os únicos prejudicados sem terem contribuído rigorosamente nada para que as coisas chegassem a este ponto. Portanto, são os únicos que têm inteira razão para estarem insatisfeitos em todo este processo.
Se perguntarmos a um contribuinte que nunca tenha tido o privilégio de voar num avião da TAP sobre o destino a dar à empresa a resposta será curta e grossa: fecha-se essa m…da. E porquê? Porque os portugueses estão fartos de guerras intestinas no interior da empresa; porque os portugueses estão cansados de pagar os encargos derivados de más opções gestionárias da empresa, e; porque os portugueses já não suportam as derivas políticas quanto ao futuro da empresa. O cidadão comum está agastado com toda esta situação e está pura e simplesmente a marimbar-se para o modelo a seguir na TAP desde que acabem com estado actual e não lhe peçam mais dinheiro no futuro.
Independentemente da razão que eventualmente assista aos pilotos a ideia que se instalou no público é que eles não percebem que estão a voar em aviões de uma empresa que por enquanto se chama TAP pertencente a um país que se chama Portugal onde vivem alguns milhões de portugueses que nos últimos anos têm sofrido as passas do Algarve. No cidadão comum instalou-se a convicção de que, quando voam a não sei quantos milhares de pés de altitude, os pilotos não têm um único segundo para tirar os olhos do painel de instrumentos e verem o que se passa cá em baixo. A ideia que fica é a de que a vida deles é voar, aterrar e ir para o hotel ou para casa, sem terem a mínima percepção do que existe à sua volta.
Se prestassem mais atenção os pilotos veriam que há milhares e milhares de portugueses muitíssimos qualificados, que trabalham que nem uns galegos e mal têm onde cair mortos. Se prestassem mais atenção sabiam – se é que não sabem - que cá em baixo há muita gente que não trabalha menos, e com tanta ou mais responsabilidade, sem ter metade das mordomias. Profissões que têm directamente a ver com a segurança e a vida das pessoas há dezenas delas; trabalhadores que exercem a sua actividade em horários irregulares são aos milhares; actividades que exigem elevadas qualificações técnicas são mais que muitas. Sabem quanto o país paga a estes trabalhadores? Justa ou injustamente paga-lhes aquilo que a força das circunstâncias permite pagar.
Estamos na Península Ibérica, não estamos na Península Arábica. Aqui os aviões não enchem os depósitos de combustível ao preço da uva mijona. Mas, curiosamente, num sector onde, diz-se, há sempre colocação para pilotos experientes, o povo não percebe uma coisa: se os pilotos estão mal na TAP porque é que não vão pregar para outra freguesia que é como quem diz voar para uma companhia do médio oriente onde sejam pagos a peso de ouro e tenham todas as regalias a que julgam ter direito? A resposta é conhecida. Não vão porque se calhar as coisas não são bem como as pintam e porque sabem que se lá fizessem um décimo das tropelias que por cá fazem – tipo greve de dez dias – se não iam imediatamente para o olho da rua ficavam em lista de espera.
Parece que um dos motivos que conduziu à greve foi a exigência de terem tratamento preferencial num futuro processo de privatização em cumprimento do que ficou previsto em acordo firmado há alguns anos com o Governo. O prometido é devido, é verdade. Mas não é menos verdade que não se pode prometer o sol ou a lua a ninguém. Uma promessa deste tipo não pode nem deve ser levada a sério. Por que não prometer parte das escolas aos professores; parte dos hospitais aos médicos; partes de todos os organismos públicos aos seus funcionários, sempre que estes decidam fazer uma greve? Para o povo não há diferença rigorosamente nenhuma: TAP, escolas, hospitais, repartições de finanças, etc., “tudo pertence a todos; e nada pertence a ninguém”. Portanto, quem prometeu o que não lhe pertencia mais valia estar quieto e quem acreditou na validade da promessa foi tão ou mais tonto do que quem prometeu. 
A propósito ocorre-nos uma pergunta. Só pelo facto de não poderem fazer greve os polícias não têm direito a reivindicar parte das esquadras e os militares não têm direito a exigir parte dos quartéis? Dos quartéis é uma força de expressão porque quando se tem parte de uma empresa tem-se parte das instalações, equipamentos e tudo o resto, no caso quartéis, aviões, navios e carros de combate. Havia de ser lindo. E para pôr uma avião a voar não é preciso pessoal de manutenção e pessoal de abastecimento? Não são necessários controladores aéreos? Este pessoal não é igualmente importante a ponto de ter também uma participaçãozita na empresa ainda que seja funcionário de outras? Do mesmo modo os médicos, enfermeiros e auxiliares de acção médica; os professores e os auxiliares de acção educativa, e, por que não; os oficiais, os sargentos ou as praças.
O povo já tem a TAP pela raiz dos cabelos. A TAP que vá para o charco doa a quem doer e quem está mal que se mude. Se o BES era privado, deu o badagaio e no final sobrou – ou há-de sobrar - para o contribuinte, por maioria de razões a TAP pode também dar o berro que o contribuinte já sabe quem vai pagar a factura no final. Que vá à falência e quanto antes melhor porque cada dia que passa a conta aumenta. O povinho não precisa de ser jurista ou economista para saber como as coisas se vão passar porque a escola da vida já lhe ensinou como o processo decorre. É assim: a fruta podre vai directamente para o caixote do lixo a fim de ser processada internamente; a fruta que estiver em condições fica na montra para estrangeiro ver, provar e, quem sabe, levar.
Sim. Estrangeiro levar porque dai até comprar vai uma grande distância. Qual o investidor que no seu perfeito juízo vai comprar um cesto de fruta bolorento onde se aproveitam apenas duas ou três laranjas e meia dúzia de bananas? Nenhum. Quando muito oferece-se para levar o cesto da fruta de borla e por especial favor, e no imediato porque se for daqui a algum tempo nem isso. E têm razão. Quem deixa apodrecer a fruta que aguente o cheiro advindo da decomposição.
Por isto, o cenário está tal qual o tempo: farrusco e chuvoso. A TAP vai cair de podre com pouco mais de setenta anos de idade, ou seja, bem abaixo da esperança média de vida para as mulheres que nesta altura já está bem acima dos oitenta. A greve que agora se inicia vai fazer alastrar o bolor às poucas peças de fruta que teimavam em permanecer sãs e que ainda faziam com que o cabaz fosse globalmente vistoso e apetecível para o comprador. Estamos a falar, percebe-se, da reputação. 
Quem irá querer uma mulher que além de feia tem má fama? Essa treta de que a fruta nacional tem mau aspecto mas é boa vale para consumo interno mas lá fora não vinga. Vão a uma exposição internacional mostrar as nossas maçãs bichadas ver se alguém lhes pega ainda que digamos que são biológicas. Não têm melhor compra as maçãs golden de produção intensiva mesmo que não tenham sabor nenhum? Com a reputação passa-se precisamente a mesma coisa. O que parece é. E neste campo já não se tem dúvidas de que a TAP é aquilo que parece ser: uma companhia onde ninguém se entende e com a qual, volta e meia, os passageiros ficam apeados. E quando assim é, digam o que disserem, os passageiros pensam duas vezes no momento de comprar o bilhete. É da natureza humana: “para chegar tarde e a más horas vou a pé. Sei que tenho de sair mais cedo mas tenho a certeza que chego a horas”. Ora, na conjuntura actual não há necessidade de andar a pé porque as ofertas são mais que muitas e os pilotos não ignoram isto. Se a TAP fechar portas alguém vai assumir imediatamente o seu lugar e provavelmente até vai dar emprego aos pilotos que agora fincam pé não se sabe muito bem porquê, mas não pensem eles que estas companhias estão para lhes aparar o jogo tal como a TAP e o povo português tem feito há décadas. 
Terminamos com um convite: para não irem muito longe vão para a Lufthansa ou British Airwais fazer greves de dez dias. Vão para lá com exigências de participação no capital social e com todas as balelas que vos temos ouvido nos últimos anos. Vão ouvir uma resposta que tanto serve em alemão como em inglês: OUT, que, como sabem, em bom português significa "rua", "fora" ou "ponham-se a milhas". 
Querem experimentar?





sábado, 25 de abril de 2015

Boca n.º 15: Eleições à Presidência da República e Raspadinhas


As eleições para a Presidência da República têm vindo a alimentar os noticiários das últimas semanas tantos são os candidatos a candidatos. 
Santana Lopes já deu a entender que só não vai lá se não puder e aproveitou para dizer que Paulo Portas era capaz de ser candidato. Este respondeu célere que não estava para aí virado. António Guterres afirmou que não era candidato a candidato porque tinha coisas mais interessantes a fazer lá fora ou coisa que o valha. Sampaio da Nóvoa disse qualquer coisa do género que não era preciso ser-se político para estar na política. De Carvalho da Silva ouve falar-se a espaços. António Vitorino, Jaime Gama e Maria de Belém pelos vistos deram nega, mas nunca se sabe. Rui Rio também está na berlinda. Marcelo Rebelo de Sousa diz que ainda é cedo. Aqui e além fala-se de Paulo Morais. Em suma, uma salsada. Candidato mesmo candidato entre as figuras públicas só Henrique Neto, que, honra lhe seja feita, foi o único que já anunciou formalmente a sua candidatura.
A forma como os candidatos a candidatos têm sido apresentados faz-me lembrar as raspadinhas. Compra-se um cartão por dia, raspa-se e lá se revela mais um personagem para acrescentar ao imenso rol dos já conhecidos mas sem sair nada que se veja. Depois, amachuca-se o cartão, deposita-se no contentor do lixo e espera-se pelo amanhã na esperança de sair algo que valha a pena. Qual a figura que a próxima raspadinha vai revelar? Não interessa. Queremos lá saber se o próximo candidato a candidato a Presidente da República vai ser A, B ou C se, pelos vistos, nem eles próprios sabem se querem ou não ser Presidente da República.
Quando se pergunta aos miúdos da escola primária o que é que querem ser quando forem adultos, uns respondem que querem ser isto, outros que querem ser aquilo e uns quantos (não sei o que é que eles têm na cabeça) respondem que querem ser Presidente da República. Portanto, os miúdos da escola têm ideias bem definidas e sabem o que querem ser com a antecedência mínima de três décadas, uma vez que só são elegíveis os cidadãos portugueses com mais de 35 anos, mas os nossos políticos com possibilidades de virem a ser Presidente da República não sabem o querem a escassos meses das eleições. Pelos vistos só o saberão quando alguém lhes disser se devem ou não ser candidatos a Presidente da Republica o que vai acontecer somente no dia imediato às eleições legislativas. Portanto, no day after tenham o papel higiénico à mão porque vão ser confrontados com uma diarreia de candidatos a Presidente da República sem vontade própria.
Se perguntássemos aos pretensos candidatos se no dia X estariam interessados em passar uns dias de férias nas Maldivas o que é que eles respondiam? Respondiam em coro: “vamos lá que se faz tarde. Se não houver tempo arranja-se porque oportunidades destas só acontecem uma vez na vida”. Por aqui se vê a conta em que é tida a Presidência da República. Quando se trata de ir para o Índico ninguém se faz rogado, mas quando se trata de ir para Belém as respostas são evasivas: não sei, vamos ver, talvez, estou a pensar, não confirmo, ainda é cedo, bla, bla, bla. É assim como quando vamos a casa de alguém e não gostamos da comida. Tudo serve para não levarmos o garfo à boca: estou a fazer dieta, já lanchei tarde, vou-me deitar cedo, a última vez que comi isto fez-me mal, etc, etc, etc.
Afinal, se eles não têm vontade nenhuma em ser Presidente da República por que carga de água havemos nós de nos esforçar minimamente para ir votar neles, especialmente quando as eleições se realizarão no inverno e quiçá num dia de vento e chuva? Quem estiver no seu perfeito juízo não vai deixar de estar com os amigos, ao quentinho e com a mesa bem composta, para se meter à estrada por causa de gente desprovida de vontade própria. Aliás, deviam agradecer-nos por não contribuirmos para a desgraça deles porque se o cargo é tão pouco atractivo como parece ser é uma bênção não ser eleito.
Seria mais fácil se fosse assim: quem não tinha nada a ver com o assunto, como nós, continuava em redor do tinto e do salpicão e as vocações de última ora que fossem às urnas votar neles próprios. Empatavam todos com um voto, é verdade, mas o resultado das eleições traduziria na perfeição aquilo que eles são na verdade: uns «empatas». Depois, que se entendessem entre eles.
Por tudo isto a lei eleitoral devia ser alterada. As candidaturas deviam poder ser apresentadas até à véspera das eleições de forma a permitir que estes senhores tivessem mais algum tempo de reflexão. Melhor, com os meios informáticos que existem hoje em dia, as candidaturas deviam poder ser apresentadas até à hora de abertura das mesas de voto, permitindo mais uma noite de sono sobre o assunto. É que uma decisão destas não se toma da noite para o dia: alguém que está bem e se dispõe a pôr-se mal em prol do país deve ter de todo o tempo do mundo para pensar.
Mais, a futura primeira-dama devia obrigatoriamente ser ouvida sobre o assunto porque a função é uma grande maçada e ninguém deve ser condenado a tal degredo. Um sorriso aqui, um aperto de mão ali, uma beijoca acolá, mas sempre ligeiramente atrás do marido como manda o protocolo e, pior, sem qualquer vencimento. Por isso, em certa medida compreendemos a angústia e hesitação dos maridos: primeiro têm de ultrapassar a dúvida existencial de eles próprios descobrirem se querem ou não ser Presidente da República; depois ainda têm pela frente a espinhosa missão de convencer a esposa a ser primeira-dama. Por pouco tempo, diga-se, porque isto da primeira-dama é coisa para acabar a prazo. Não há-de vir longe o dia em que, em vez da primeira-dama, vamos ter um valete ou um rei de paus.
Mas, afinal, tanto burburinho para quê? Basicamente para nada. O Presidente da República não pode fazer rigorosamente nada para alterar o estado das coisas. Enquanto chefe supremo da tropa não risca nada. Enquanto responsável pela nomeação dos representantes da república nas regiões autónomas mais valia estar quieto porque estes nem aquecem nem arrefecem. No que concerne ao poder de vetar as leis até dá que rir porque mal se descuida estas são-lhe devolvidas precisamente no mesmo estado e tem de as engolir em seco. Resta a chamada bomba atómica. 
Mas ainda que o Presidente da Republica pudesse dissolver a Assembleia da Republica a seu bel-prazer, convocar eleições e nomear governos todos os meses, tudo permaneceria na mesma porque mudam as pessoas mas continuam as políticas. Por outras palavras tanto faz estarem lá as rosas como as laranjas que o fado é o mesmo. Esta é a verdade nua e crua e os candidatos sabem muito bem disso. No fundo o papel do Presidente da República não é muito diferente do papel da primeira-dama só que remunerado. Hino nacional - de manhã, à tarde e à noite; discursos – uns atrás dos outros; portos de honra - mais que muitos; jornalistas - aos magotes; mas decisões daquelas que alteram a vida das pessoas - nada. É verdade que o Presidente da República não aumenta os impostos nem corta salários, o que até nem é mau, mas também não tem competência para mandar construir escolas nem hospitais e isso é que dá pica a quem ainda tem sangue na veia. Interessa lá que o Presidente da República possa fazer caridade, indultando alguns presos pelo natal.
Por tudo isto, e com esta nos ficamos, para que os candidatos não tivessem medo de avançar com o peito às balas, à semelhança do que acontece com um trabalhador normal, o Presidente da Republica devia ter direito a um período experimental, coisa aí de seis meses. Se as funções não correspondessem às suas expectativas tinha o direito de bater com a porta sem ter de dar satisfações a ninguém; mas do mesmo modo se o eleitorado não gostasse do seu desempenho tinha o direito de o por a mexer num estalar de dedos. Se o candidato mais votado não servisse avançava o segundo candidato mais votado e assim sucessivamente, sem necessidade de novas eleições. Era simples, barato, eficaz e dava para alguns anos tal o número de candidatos que se perfilam.
Um sistema deste tipo, como é evidente, implica a revisão da Constituição. Mas não há nada que não se faça desde que o povo queira. Aliás, deviam fazer-se quatro ou cinco revisões da Constituição de uma vez só, ficando uma versão em vigor e as demais de reserva. Quando uma já não servisse avançava a outra e assim sucessivamente. Isto é que era um país como deve ser. Candidatos com fartura. Presidentes com fartura. Constituições com fartura. Não acham?


 Bocaslusas