sábado, 28 de março de 2015


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Boca n.º 13: Mulheres e Ferraris


Uma vez que a semana que ora finda foi muito balofa em questões políticas dignas de registo, com exclusão do "cofre cheio" da Maria Luís,  decidimos escrever algumas linhas acerca de um tema bem mais «sério e interessante»: o casamento, as mulheres e a analogia que no imaginário masculino existe com o negócio dos carros .
Que macho não verte baba e ranho perante uma daquelas mulheres de fazer parar o trânsito? Quem é que não sente inveja daqueles minorcas acabadotes mas cheios da pasta, coisa aí para sessenta e poucos anos, que se pavoneiam de mãos dadas com mulheres com idade para serem netas deles? Há uns anos atrás estava eu no Casino de Vilamoura acompanhado de alguns amigos quando nos deparamos com um destes postais: ele, mais para ir do que para vir, corcunda e com pouco mais do que um metro e cinquenta; ela, viçosa, com tudo no sítio e seguramente mais trinta centímetros do que ele. Desfilava o casal pelo bar contíguo à sala das máquinas quando alguém dos presentes, em alta voz e tom irónico atirou:
- Deves ser muito lindo, deves.
A risada foi geral mas não fez a mossa pretendida no destinatário. Pelo contrário o feliz sexagenário limitou-se a esboçar um leve sorriso, cresceu quatro ou cinco centímetros e, de peito inchado, continuou o seu desfile triunfal deixando os presentes com uma profunda dor de cotovelo.
Perante a reacção do visado o ambiente amainou por instantes. “Que Porsche! Que Lamborgini! Que Ferrari!” Pensei eu e seguramente os restantes. “Não me importava nada de dar umas voltitas naquela montada, mas não tenho sorte nenhuma.” Mais uma vez pensei eu e de certeza acompanhados por todos os outros.
É aqui que começa o imbróglio. Será que os contemplados com estes bólides alguma vez se questionaram sobre o motivo por que no meio de tantos candidatos a sorte grande havia de bater precisamente à sua porta. Sim, porque algo está mal quando um maquinão daqueles é conduzido por um indivíduo que nem carta de condução tem.
A verdade é que esta questão não é muito debatida quando se escolhe com quem dar umas voltas por aí ou com quem percorrer todos os trilhos da nossa existência. Quer se queira quer não, tal qual como quando se vai comprar um carro ao stand, as linhas exteriores, a pintura metalizada ou as jantes de liga leve por vezes falam mais alto do que a própria aptidão mecânica.
Quando vamos buscar o pópó ao stand – entenda-se a noiva a casa do sogro – não pensamos nestes assuntos. O que queremos verdadeiramente é acelerar na máquina especialmente se não o tivermos feito como deve ser antes. Quanto ao resto logo se vê.
Por vezes ainda o carro está supostamente no período de garantia e já os problemas são mais que muitos. Uma fuga de óleo ali, um ponto de ferrugem acolá, enfim tudo coisas miúdas mas que não era suposto aparecerem numa viatura que se não era nova nos foi impingida como tal. Bora daí, vamos ao «stand» reclamar enquanto é tempo.
Como se já estivessem à nossa espera ainda não dissemos ao que vamos e já temos as respostas que não queríamos ouvir.
- Então o senhor queria um Ferrari novo ao preço de saldo? Atira o sogro promovido a vendedor em tom de quem dali não vamos levar nada. - O senhor sabia que este modelo apesar de ter umas linhas modernas e bem apelativas já tinha uns anitos. Não leu o contrato de compra e venda? Então não leu aquelas letras minúsculas em baixo?
 O sogro tinha toda a razão porque na verdade só tínhamos passados os olhos de relance pelo contrato e na ânsia de deitarmos mãos ao Ferrari não prestámos a mínima atenção às tais exclusões previstas no rodapé. Estava lá, preto no branco, que a garantia só era válida até à saída do stand. A partir daí o comprador tinha de suportar todas as avarias mecânicas, problemas na pintura, quebra de vidros, tudo, tudo, inclusive a eventualidade de o carro afinal poder ser uma carrinha.  
- O senhor meu genro – prosseguiu – andou uma série de tempo a frequentar o meu stand. Na altura eu tinha cá mais dois carrinhos impecáveis: um Fiat seiscentos novinho em folha e uma Ford Trânsito também zero quilómetros. O Fiat seiscentos acabou por ser quase dado a um rapazito que ainda hoje anda com ele sem nunca ter posto os pés na oficina. Esse V. Ex.ª não quis porque era pequenino e não causava boa impressão. A Ford Transit é um carro de trabalho e está farta de ganhar dinheiro ao dono. Essa também não lhe servia porque era muito grande e não dava para passear na cidade. Pois olhe, era espaçosa, é certo, mas nunca deu nega e trabalhou sempre de sol a sol até hoje. O que é que o senhor esperava. Então eu tinha um Ferrari para despachar. Com boa apresentação, é um facto, mas já com setecentos mil quilómetros e farto de dançar o fandango. Muita sorte teve o senhor. Se fosse outro não lhe dava sequer o conserto que lhe dei na suspensão (que estava uma lástima) e na panela de escape (que já não tinha por onde se lhe pegasse). Está bem. Admito. Tirei-lhe quinhentos mil quilómetros mas isso todo o dono de stand faz. Além do mais ninguém impediu o senhor meu genro de fazer os test drive que bem entendesse para ver se a coisa funcionava bem ou não? Quer dizer, o senhor veio buscar um Ferrari ao preço da chuva, fez um vistão durante este tempo todo e agora vem-me com a treta da ferrugem e fugas de óleo.
De nada adiantava lembrar a conversa do vendedor antes do negócio ter sido fechado: que já não se fabricavam máquinas assim, que andava muito, que consumia pouco, que não precisava de manutenção, que tanto andava em estrada como fora dela, na cidade, no campo, no país como no estrangeiro, de dia e de noite, etc. A persiana começava a cair e com ela a sensação de que tinha levado um grandessíssimo barrete. Agora começava a perceber a razão de tantas mordomias. Se bem me lembro, na altura despachou-me o Ferrari por um preço de amigos e ainda me ofereceu uns tapetes novos, umas capas para os bancos dianteiros, mil litros de gasolina, uma viagem a Paris, eu sei lá. Agora à distância de alguns anos e bem vistas as coisas dou comigo a pensar: se eu não me tivesse mostrado tão interessado tinha-me dado o carro de borla ou se calhar ainda me tinha pago para ficar com ele. De qualquer forma arrisquei uma pergunta.
- Está bem, o senhor tem razão nalgumas coisas, mas é de lamentar que duas semanas depois de levar o carro ele já não pegava de maneira nenhuma: nem com a chave e nem de empurrão. O que é que me diz a isto?
O «garagista» impávido e sereno respondeu de imediato como se já estivesse à espera da pergunta.
- Estes carros não estão habituados a pegar de empurrão. Ou o senhor sabe usar a chave no sítio que é devido ou nada feito. E, sem que pudesse responder-lhe o que quer que fosse, prosseguiu: - Digo-lhe mais meu caro. Se não quiser ter problemas com a máquina tem de ter algum cuidado com ela. Desde logo nunca a deixe ser conduzida pelos amigos porque cada um conduz à sua maneira. Se o senhor cair na esparrela de a deixar ser conduzida por outros fique certo que nunca mais ela anda como deve ser na sua mão. Cada vez que pegar nela vai andar aos solavancos como se não quisesse nada consigo. Olhe, custa-me dizer-lhe isto acerca de uma máquina que saiu deste stand, mas se isso acontecer, perca o que perder, meta-a à troca e compre outra. Isto se alguém lhe der um chavo por ela. Mas há-de aparecer sempre um tolo como você que se agrade da pintura vermelha e das jantes de liga leve sem prestar atenção à ferrugem, às fugas e sobretudo ao consumo do motor que é uma desgraça.

sexta-feira, 20 de março de 2015




Boca n.º 12: A bronca da lista VIP


O assunto da semana é indiscutivelmente a famosa lista VIP criada pela administração fiscal. Quem é que pode concordar com uma coisa destas num país que se diz patriota? Miséria das caraças. Lista VIP! Onde é que já se viu.
Acho muito bem que o responsável tenha ido pregar para outra freguesia porque não se admite que um alto responsável da administração fiscal não conheça o texto do novo Código do Procedimento Administrativo que está por dias. Se não sabe que a língua oficial através da qual a Administração Pública se relaciona com os particulares é obrigatoriamente o português só tem mesmo de se pôr ao fresco. Se tivesse lido o art. 54.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, que aprova o referido código, saberia que de agora em diante todos os documentos administrativos têm de estar redigidos em português. 
Portanto, o pecado original não é o facto de ter criado uma lista mas sim o facto de ter criado uma lista usando um estrangeirismo num documento oficial da Administração Pública. Se esta habilidade tivesse sido feita no tempo da velha senhora no mínimo dava direito a uns mesinhos à sombra em Peniche ou, para quem não apreciasse especialmente, igual período ao sol do Tarrafal. É-lhe bem feito. Se não tivesse andado a dormir na forma não acontecia isto.
Agora permite-se tudo e mais qualquer coisa. Acham que em Espanha era possível a administração fiscal criar uma Very Important Person List? Jamais (pronuncia-se jámé  kkkkk), como dizia o ministro que ficou famoso com a tirada do aeroporto. Em Espanha chamam-se os bois pelos nomes, mas em castelhano, o que aplicado ao caso resultaria em qualquer coisa como “lista de contribuyentes muy importante”. Já viram. Era uma lista em espanhol que os portugueses percebiam melhor do que a lista portuguesa. Porque é que em Portugal teimam em fazer diferente? Se o fisco tivesse intitulado a lista de “lista do peixe-graúdo” soava pior mas provavelmente o assunto tinha morrido na casca.
Dizemos provavelmente porque há sempre a hipótese de alguém estrebuchar e este é o segundo pecado da lista. O responsável pela lista VIP devia saber que o mesmo documento não pode ter designações diferentes consoante a zona do país em que é utilizado: o IMI é IMI tanto no Minho como no Algarve. O IRS é IRS tanto no Alentejo como nas Beiras. O IUC é IUC tanto nas Berlengas como nos Açores. Mas a lista VIP não. Qual o motivo porque criou uma lista VIP a sul do Douro que se transforma numa lista BIP a norte do Douro? Foi incompetência pura. Bery Important Person não tem jeito nenhum porque a primeira palavra não tem tradução possível o que transforma a lista de pessoas muito importantes a sul do Douro somente em lista de pessoas importantes a norte do Douro e o Tribunal Constitucional nunca deixaria passar uma falha destas. Quer dizer: um contribuinte atravessa a ponte da Arrábida de sul para norte e perde o estatuto de muito importante para passar a ser apenas importante.
Não me repugna que quem paga e paga bem tenha algumas mordomias. Proponho qualquer coisa como um cartão de contribuinte gold, ou melhor, um cartão dourado para não correr o risco de ser ilegal, associado a alguns serviços que devem estar consagrados no estatuto de contribuinte VIP ou BIP, conforme quiserem, já  que «peixe-graúdo» fere mesmo os tímpanos.
Desde logo o possuidor do cartão dourado deve ter direito a ser atendido em primeiro lugar. Faz sentido e a Constituição não vai contra isso. Então o sortalhudo que ganhou 100 milhões no euro milhões à poucos dias e deixou logo 20 milhões nos cofres da tesouraria da fazenda pública não deve passar à frente? Deve sim senhor. Aliás, dos 80 milhões restantes ainda lá deixará seguramente mais de metade, portanto o homem, ou a mulher, quando quiserem ir às finanças para lá deixarem mais uns milhões não só devem passar à frente como deve ser-lhes fornecido transporte de ida e volta por conta do Estado. E não há violação nenhuma da Constituição porque todos os que lá forem deixar alguns milhões de uma vez só devem ter precisamente o mesmo tratamento.
O contribuinte VIP deve ter um atendimento personalizado. Deve ser atendido por um funcionário VIP que fale línguas, vista Armani e que o venha receber à entrada da repartição de finanças com um sorriso nos lábios. Não fica mal não senhor que o atendimento decorra num gabinete privado com iluminação regulável e musica clássica a meio-gás. E o Estado não morre mais pobre se colocar uns salgadinhos em cima da mesa e um portinho a 10 ou 11.º.
Em bom rigor a administração fiscal devia celebrar uma espécie de contrato de agência com os contribuintes da “lista de peixe-graúdo” e rentabilizar ao máximo as receitas fiscais. A coisa seria assim. As finanças têm na sua posse os dados pessoais de todas as celebridades portuguesas. Qualquer gigante do marketing digital dava uma pipa de massa para aceder aos dados desses tubarões, cachalotes, leões-marinhos e afins, só para ter a oportunidade de lhes inundar a caixa de correio com as últimas novidades: solários de última geração, lipoaspirações ao domicílio e viagens espaciais, só para referir alguns exemplos. Já viram os milhões de IVA que isso representa. A administração fiscal podia inclusive fazer mais umas coroas servindo de intermediário entre as empresas de eventos e os ditos VIP. Era assim uma espécie de facilitadora de contactos (perceberam?): os convites eram endereçados para as finanças que cobravam uma comissão e depois nomeavam os VIP por escala. Era só vantagens: os famosos estavam sempre na berra onde houvesse casórios, baptizados, primeiras comunhões, crismas e funerais sem necessidade de outros intermediários e praticamente não corriam o perigo de ficar a uivar porque se os clientes não pagassem as finanças penhoravam mesas, cadeiras, passadeiras vermelhas, copos, pratos e talheres, até nada sobrar. Mais uma vez as finanças ganhavam de duas formas: cobravam aos organizadores dos eventos por lhes fornecer as celebridades e recebia o IVA correspondente aos «honorários» cobrados pelas celebridades aos clientes.
Da forma como as coisas foram feitas não era de esperar outra coisa. Só podia correr mal. Porquê uma lista VIP se não está perfeitamente definido o que é um VIP? Um VIP é um tipo que ganha dinheiro a potes sem nunca por os pés na televisão ou é um fulano que está sempre atrás das câmaras e não tem onde cair morto assim tipo emplastro. Agora vão chover processos judiciais movidos por todos aqueles que não estão na lista mas acham que também lá deviam estar porque também são VIP quando na verdade não passam de uns passa fome. Porque é que meteram lá o Ronaldo?
Se tivessem chamado os bois pelo nome era “lista de peixe graúdo” e pronto. Admitiam-se os atuns, os espadartes e quando muito os peixes-espada, mas nunca os chocos, as sardas ou os verdinhos. As baleias e o cachalotes não entram na lista porque têm a massa nas ilhas Caimão e o fisco não põe la os gatafunhos. Assim deu bronca e vai continuar a dar. Não se esqueçam que a Constituição Portuguesa admite que haja uma lista VIP mas sob a condição de haver também uma lista não VIP, ou seja, uma NVIP, ou pensavam que podia haver uma lista VIP e uma lista sem designação para os outros todos. Isso é que era discriminação. Por outras palavras, tem de haver uma “lista do peixe -graúdo” e uma “lista da arraia-miúda” que integre os chocos, as sardas e os verdinhos excluídos da lista principal, mas também os joaquinzinhos, as petingas e todos os outros peixes que conseguem passar pelas redes de malha pequena. E quanto a estes as finanças têm igualmente o dever de criar um estatuto próprio além de rentabilizar a lista sob o ponto de vista financeiro. 
Quanto ao estatuto da arraia-miúda sugerimos o direito de estar caladinho na bicha do atendimento, o direito a ser atendido por um funcionário minimamente bem-disposto e o direito a ser reembolsado das quantias pagas indevidamente antes da morte do contribuinte.
Quanto à forma de rentabilizar esta lista, o fisco que experimente fornecer os dados às inúmeras empresas de crédito rápido e verá o que elas estão dispostas a pagar pelo serviço. Tinha uma vantagem adicional: como os desgraçados que caem nesta agiotagem geralmente nunca mais se vêm livre dela, lá podiam as finanças acumular mais este pelouro e ganhar uns patacos adicionais em penhoras. Desta seria seriam as calças, as camisas, a roupa interior, os relógios, as próteses dentárias, as perucas, as lentes de contacto, as unhas de gel, tudo, tudo até um indivíduo ficar tal como veio a este mundo.
                                                                                      
Bocaslusas

sexta-feira, 13 de março de 2015


Boca n.º 11: Eleições, sondagens e abóbora porqueira


A polémica dos esquecimentos do PM em matéria fiscal e da Segurança Social que dominaram a semana transacta deixaram para segundo plano aqueloutras declarações em que manifestou a intenção de se bater pela maioria nas próximas eleições e que foram vistas pela maior parte dos analistas como o toque oficial da abertura da campanha eleitoral.
A notícia foi recebida por este modesto escriba no bulício de uma tainada na tasca do Sr. Aquino, para os amigos “Filósofo”, algures numa pequena aldeia nas fraldas da serra mais alta deste país e, diga-se, o atrevimento do nosso PM não caiu lá grande coisa entre os confrades da abóbora porqueira.
- Para quem disse estar a lixar-se para as eleições a fasquia inicial não está má – disse o filósofo na sua pose característica de lápis na orelha e pano de limpeza no ombro esquerdo. - Imaginem que em vez de dizer que estava a lixar-se para as eleições tinha dito que as queria ganhar. Neste momento estaria, no mínimo, a dizer que não se contentava com menos do que a unanimidade dos eleitores.
A tirada do Filósofo deu que pensar aos comensais que por aquela altura ainda não sentiam os efeitos do bom tintol.
- Pois – replicou a medo o único conviva que usava gravata no grupo e que por sinal ainda não nos tinha sido apresentado – se quando proferiu aquela expressão da lixadela não quis dizer exactamente isso, significa que, do mesmo modo, quando disse que queria obter a maioria também não quis dizer precisamente isso.
- Então o que é que quis dizer o homem quando falou em maioria? Perguntou o Tonho com cara de quem não estava a pescar nada da charada.
 – Na minha perspectiva – continuou o «Gravatas» - quando disse que se estava a lixar para as eleições estava a ser sincero mas pecou por defeito: mais do que a lixar-se estava a borrifar-se, estava a marimbar-se, estava a c…g…se para as eleições autárquicas. Queria lá ele saber se os dinossauros municipais se extinguiam ou não. Assim como quando disse querer a maioria estava igualmente a ser autêntico mas aquém das suas reais pretensões: mais do que uma simples maioria queria uma maioria absoluta nas eleições legislativas, quiçá maioria qualificada e, por que não, uma rotunda vitória à boa maneira da Coreia do Norte.
A explicação do gravatas não elucidou minimamente o Tonho mas bastou a breve e dissimulada alusão aos intestinos do governante para quebrar o gelo em relação à pessoa do novo conviva.
- Sr. Dr. qual é a sua graça?
- António. Respondeu o Gravatas.
- E pá, mais um Tonho – disse o cromo ao mesmo tempo que batia efusivamente nos ombros do convidado. – Está visto que o Filósofo encontrou um adversário à altura. - Pois bem – prosseguiu - aposto quanto quiser que o povo fala, fala, mas no final vai lá por o preto no branco e o homem fica lá outra vez.
Sabendo que o Tonho não tinha onde cair morto e que com aquele gesto irreflectido era bem capaz de estar a empenhar todo o seu património, o Filósofo puxou de um pedaço de papel almaço, sentou-se entre os convivas e, virando-se para o Tonho, começou a escrevinhar.
- E pá já está a fazer as contas e ainda a refeição vai a meio? Perguntou o Tonho.
- Cala-te e ouve antes de ficares mais depenado do que um frango de aviário. Respondeu o Filósofo procurando garantir os seus créditos.
De seguida, puxando pelo seu saber de experiência feito em décadas de contas de somar mais do que de subtrair, e de multiplicar mais do que dividir, num ápice e sem direito a contradita, demonstrou quem iria ganhar as próximas eleições. Os cálculos eram muito simples.
- Dizem para aí que este país tem cerca de dez milhões de almas. Destes, li há poucos dias num jornal, há aproximadamente um milhão e duzentos e cinquenta mil crianças e jovens sem direito a voto. Segundo foi dito aquando das últimas eleições há outros tantos eleitores fantasmas, ou seja, eleitores que constam nos cadernos eleitorais mas que, na maior parte, já bateram a caçoleta ou deram ao slide. Portanto sobram sete milhões e meio de potenciais eleitores. Ora, se o dia das eleições for solarengo e se se mantiver a percentagem dos portugueses que mandam a votação à fava, serão cerca de 40% a fazê-lo, o que, assim por alto, dá tanto como quatro vezes cinco vinte, e vão dois, quatro vezes sete vinte e oito com mais dois trinta. Está feito, há perto de três milhões de portugueses que se c g m no assunto. Se aos sete milhões e meio retirarmos estes três milhões concluímos que a coisa vai ser decidida por quatro milhões e meio de portugueses.
- Troca lá isso por miúdos – disse o Tonho ao mesmo tempo que procurava acompanhar os cálculos com os dedos da mão esquerda.
 - Se o Passos tiver dois milhões duzentos e cinquenta mil e um votos – continuou o filósofo levando as mãos ao abdómen com satisfação – a vitória está no papo; - se o Passos tiver dois milhões duzentos e quarenta e nove mil novecentos e noventa e nove – prosseguiu levando a mão ao pescoço em jeito de quem vai ser degolado – já era.
Este segundo gesto menos efusivo denunciou as cores do Filósofo mas ninguém o censurou por isso.
 - Se o país tem aproximadamente seiscentos mil funcionários públicos – prosseguiu o filósofo - e a maioria é casado e quase nenhum deles tem especiais motivos para votar no Passos, temos logo aqui, contas redondas, entre um milhão e um milhão e duzentos mil que votam no Tonho da Câmara de Lisboa. Se tivermos em consideração que o país tem, no mínimo, um milhão de reformados e que, por alto, metade é casada e não pode ver o Passos pela frente, é mais um milhão a milhão e meio de cruzinhas na lista do Tonho. Resumindo, a lista do Tonho chega na boa aos dois milhões duzentos e cinquenta mil o que obriga os adeptos do Passos a comparecer em massa e a preencher o quadradinho como deve ser para não se estragar nenhum voto.
- Então tu estás a dizer-nos que a coisa vai dar um empate. Replicou o Tonho ao mesmo tempo que levou a mão direita à careca confuso com a quantidade de Tonhos que a conversa metia.
 - Empate não – intrometeu-se o Gravatas. – A coisa é capaz de dar um empate, prolongamento e segundo jogo.
- Vocês estão a esquecer-se de um pormenor – retomou o Filósofo. – É preciso contar com os tais eleitores fantasmas. São os mortos e afins que vão decidir as eleições.
A deixa do Filósofo foi a altura certa para o Tretas, inimigo visceral do Passos e possuidor de um refinado sentido de humor, tomar conta da situação.
- A coisa promete. Vai ser lindo ver o Passos e respectivos emplastros fazer comícios por esses cemitérios fora a apelar ao voto. Já os estou a ver nos Prazeres, no Lumiar ou no Alto de São João a contactar o coveiro e perguntar: “oiça lá! não há por aí nenhum defunto ainda em estado de ir votar? Vá lá. Nós tratamos do assunto: se ainda estiverem apresentáveis a gente leva-os logo na abertura das mesas de voto para não lhes causar grande transtorno ou então criamos cabines de voto prioritárias; se já estiverem acabadotes talvez o melhor seja votarem por correspondência.
- E pá estás a esquecer-te que na capital a malta é quase toda cremada. Lembrou o Gravatas com muita oportunidade.
- Pois, mas…. bem, um PPD à antiga tem a obrigação de deixar bem vincado no seu testamento que o seu voto, se estivesse vivo, ia para o Passos.
- Olha lá, ó Tretas, quantas pessoas aqui na terra morreram e deixaram testamento feito? Questionou o Filósofo ciente de que para esta o Tretas não tinha resposta.
- Não é preciso. Respondeu o Tretas de imediato. - Um homem para manifestar a sua vontade não precisa de fazer um testamento. Para que não haja dúvidas sobre a sua preferência partidária basta deixar uma lápide sob a sua campa com a inscrição “se estivesse vivo votava no Passos”. Olha, digo-te mais. Nem é preciso inscrição nenhuma. Basta pedir à família para colocar uma placazita de mármore cor de laranja da zona de Vila Viçosa em cima da tumba e toda a gente fica a saber qual seria o seu voto se estivesse vivo. O Filósofo vai ter direito a uma destas.
Depois de um acesso de tosse inesperada o filósofo rematou a conversa com um rabisco da esquerda para a direita como se fosse atestar a correcção dos cálculos com a prova dos nove.
 - Acabámos de fazer a sondagem mais certeira que pode haver relativamente às próximas eleições. O Passos só lá fica se os fantasmas vierem todos à terra votar nele, mas o problema é que alguns deles não devem ter morrido muito satisfeitos com o seu governo. Com os que morreram nas urgências não pode contar. Com os que morreram à espera dos medicamentos também não. Com os que morreram tísicos de tanta fomeca também não.
Com um valente murro na mesa o Tonho interrompeu as conclusões do Filósofo e tomou as rédeas da discussão.
- Se fosse para ver o Filósofo fazer contas não punha cá os pés porque há anos que não o vejo fazer outra coisa. - Vamos mas é à abóbora e ao presunto.
Ao mesmo tempo que amassava o papel almaço e o lançava à lareira nas barbas do Filósofo, levantou-se a muito esforço, ergueu o copo ao alto e com os olhos semicerrados, mas solenemente, disse a prestações:
– Eu….. Tonho da Cabreira……, na qualidade de membro fundador da confraria da abóbora porqueira…….. declaro o Costa eleito e………. assunto arrumado. 

  
Bocaslusas

sexta-feira, 6 de março de 2015


Boca n.º 10: Passos Coelho, Segurança Social e Queijo da Serra


No seguimento da polémica que envolve o primeiro ministro a propósito da falta de pagamento dos descontos obrigatórios para a segurança social no período em que foi trabalhador independente, alegadamente entre 1999/2004, durante a semana foi crescendo uma enorme vontade de lhe fazer algumas perguntas e, não negamos, dar-lhe uma monumental reprimenda.  
Então não sabe que um trabalhador independente tem de descontar para a segurança social? Não tem enfermeiros na família? Em que planeta é que vive? Perante tamanha ignorância como quer que acreditem em si? Se fosse regularmente à igreja e confiasse completamente no sacerdote qual seria a sua reacção se uma bela noite o encontrasse enroscado numa linda Ukra na casa da luz vermelha? Adiantava alguma coisa ouvir como justificação: "eu não sabia que era pecado"? 
Como é óbvio não adiantava nada, não adiantava rigorosamente nada porque qualquer diácono sabe perfeitamente que: "se sabe bem é pecado, se sabe muito bem é pecado mortal". Portanto, um político experimentado que queira converter o seu rebanho, como é o seu caso, mas que não conheça estas regras, não vai longe. Se não souber que receber e meter limpinho ao bolso é doce mas de tão doce pode provocar dor de barriga então só tem mesmo de ficar com mais dores no baixo ventre do que uma mulher em trabalho de parto.
Estou atónito. O senhor sabe fazer contas do arco-da-velha: quanto mais diz que dá mais, as pessoas sentem que lhes tira, mas não pesca nada sobre descontos obrigatórios. Não sabia que qualquer trabalhador preto ou branco, gordo ou magro, baixo ou alto, político ou não, tem de fazer descontos para ter direito a uma tigela de arroz nos dias de disenteria? Só pode ser. O senhor tinha os intestinos tão afinados que nem equacionava a hipótese de um dia a máquina lhe poder falhar. Mas é estranho porque qualquer um pensa nisso, inclusive os profissionais liberais que incham, e não é pouco, para quando lhes der a pasmaceira não andarem para aí aos caídos.
Já sei que não podemos confundir profissionais liberais com profissionais ultraliberais: uma coisa é uma coisa e a outra coisa é outra coisa. Um profissional ultraliberal confia cegamente no salve-se quem puder à boa maneira de Adam Smith. Quais descontos? Qual solidariedade? O mercado é que dita quem tem sucesso e quem tem direito a assistência e reforma condigna, o resto são balelas. O segredo está, pois, em ganhar o máximo enquanto é tempo e depois viver à conta dos rendimentos. Quem tem-tem e quem não tem-não tem. Cada um deita-se na cama que faz e é por isso que uns repousam o cabedal num colchão de molas e os outros esticam o esqueleto numa enxerga de palha.
E os que não têm sequer enxerga de palha? A vida dá muitas voltas. Não sabia, nunca lhe ocorreu, nunca lhe passou levemente pela mioleira que num sistema solidário como o nosso os descontos de quem trabalha é que garantem as pensões de quem já deu o que tinha a dar? Venha-nos dizer que não há hipótese de aumentar as prestações sociais. Venha-nos dizer que é preciso reduzir o seu valor. Venha-nos com outras tretas do género. Sabe o que vai acontecer? O povo vai dizer-lhe aquilo que precisa de ouvir: "enrole as notas relativas aos seus descontos retardados e meta-as no ..."
E com razão. Quem não é amigo não merece amigos. Com esse feitio quando for velhinho nenhum trabalhador há de querer descontar um tuste para financiar quem lhe ponha uma arrastadeira debaixo do traseiro porque quando foi a sua vez de descontar esquivou-se até à ultima. Quando os intestinos deixarem de funcionar certinho, o seu colchão de molas há de ficar com muito pior aspecto do que as enxergas onde actualmente dorme o zé povinho. Cá se fazem cá se pagam.
Ai não sabia que era preciso descontar? Então eu, jurista nos tempos livres e sem quaisquer ambições políticas, abandonei o liceu à mais de trinta anos e ainda consigo resolver uma equação de segundo grau. E vossa senhoria, economista e político profissional, não aprendeu rigorosamente nada sobre direito do trabalho e da segurança social em outros tantos anos. Está tão cru que até mete dó e por isso vou dar-lhe umas achegas sobre o assunto.
Andava Viriato a ser perseguido pelas terras lusitanas e já na Roma antiga os artífices se agrupavam em organizações denominadas sodalitium que tinham por finalidade garantir alguma protecção na doença e dignidade nos funerais. Está a ver que já naquela altura os intestinos tinham uns percalços valentes e levavam as pessoas a precaver-se. Pois era. E sabe V. Ex.ª o que era necessário para os sócios beneficiarem dessas regalias? Era necessário pagar uns quantos sestércios. 
Muitos séculos depois, mas bem antes de a cabeça de Maria Antonieta ter rolado para dentro do cesto, também os curtidores de peles para vestuário de Paris sentiram a necessidade de se organizar numa verdadeira associação de socorros mútuos que lhes assegurava uma pensão de três soldos por semana durante a doença. Sabe V. Ex.ª o que era necessário para os sócios beneficiarem dessas regalias? Já começa a desconfiar! Pois claro, tinham de pagar uma entrada inicial de dez soldos, uma dádiva de dez dinheiros ao clero e uma quotização semanal de um dinheiro. Está a ver, já naquela altura ninguém dava nada a ninguém.
No tempo dos nossos tetravós, à falta de sistemas de segurança social públicos, eram as associações de socorros mútuos que asseguravam a protecção, inicialmente na incapacidade e depois também na velhice. Sabe V. Ex.ª o que era necessário para os sócios beneficiarem dessas regalias? Como não podia deixar de ser tinham de pagar as respectivas quotizações. Pilim, amigo. sempre Pilim.
Compreendo que não tenha conhecimento destas tretas porque já passou tanto tempo que nem os elefantes se lembram delas, mas vou dar-lhe mais uma dica para quando abandonar funções não meter outra vez o pé na poça. Sabe certamente que o sistema de segurança social público é relativamente recente em Portugal. E não ignora que as bases da segurança social aprovadas pela Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, ainda cheiram a naftalina e que o art. 51.º n.º 1 do mesmo diploma refere "são abrangidos obrigatoriamente pelo sistema previdencial, na qualidade de beneficiários, os trabalhadores por conta de outrem ou legalmente equiparados e os trabalhadores independentes". Não me diga que também não conhece o Código Contributivo. Sim, sim, aquela lei que diz clarinho quem deve e quem não deve chegar-se à frente. Dê uma vista de olhos no art. 132.º: "são obrigatoriamente abrangidos pelo regime dos trabalhadores independentes as pessoas singulares que exerçam actividade profissional sem sujeição a contrato de trabalho (...) e no art. 154.º n.º 1: "os trabalhadores independentes são responsáveis pelo pagamento da contribuição que lhes está acometida (...)". Então e aquela regra essencial do art. 6.º do Código Civil segundo a qual "a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas".
Se não sabia nada disto tem de ter algum problema, por isso aconselho-o, quanto antes, a fazer uma tomografia axial computorizada ou uma ressonância magnética à carola. Não gosto de agoirar mas deve andar para aí a chocar um esquema manhoso no lóbulo frontal ou no parietal porque não é normal um homem varrer-se da memória assim. Pelo sim pelo não faça como eu que sou um grande despassarado. Cole um post it no frigorífico a dizer “tenho de fazer descontos”, outro no espelho da casa de banho a dizer “tenho de fazer descontos”, outro no pára-brisas do carro a dizer “tenho de fazer descontos”, outro no fundo do prato da sopa a dizer “tenho de fazer descontos”, outro no ecrã da televisão a dizer “tenho de fazer descontos”e outro na testa da cara-metade a dizer “tenho de fazer descontos”. 
Se com post it não formos lá o problema é mais grave do que eu pensava e temos de fazer uma abordagem mais radical. O princípio é simples: já que não é possível fazer-lhe lembrar aquilo que deve fazer vamos assegurar-nos que nunca mais se lembrará daquilo que não deve fazer. Fazemos assim: vossemecê promete comer menos queijo e nós vamos pensar no seu caso. Olhe, da maneira como as coisas estão nem precisamos de muito tempo para pensar. Já está. Nós vamos continuar a deixá-lo comer queixo. Aliás, como somos uns mãos largas, vamos deixá-lo empanturrar-se de queixo. Melhor. Nós vamos providenciar carregamentos regulares de bom queijo da Serra da Estrela, de Nisa e de Azeitão, de vaca, de cabra, de ovelha, de mistura e de toda a maneira e feitio para termos a certeza que nunca mais recupera a memória. Em compensação só tem de nos prometer uma coisa: pode esquecer-se de descontar para a segurança social, pode esquecer-se de pagar o IMI, pode esquecer-se de pagar o IRS, pode esquecer-se de pagar a água, a luz e o telefone, pode esquecer-se de tudo, desde que não se lembre de começar a gamar a torto e a direito porque isso nós já temos mais dificuldade em perdoar. Mas tem de prometer não gamar antes de começar a trombar no queijo da serra para depois não vir dizer que não se lembra de ter prometido nada. 
E se disser que não prometeu nada? É igual, nós já estamos habituados. Além de mãos largas somos uns corações de manteiga e, como tal,  mais cedo ou mais tarde vamos acabar por lhe perdoar. Isto se não se lambuzar, como é óbvio.
Boquitaslusas