sexta-feira, 24 de julho de 2015


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Boca n.º 24: Quem é que conseguiu o acordo entre a UE e a Grécia? Resposta: fui eu e o pão com chouriço.



Talvez a maior parte dos Portugueses não saiba mas fui eu quem, à última hora, conseguiu que os chefes de governo da União Europeia chegassem a acordo com o governo grego relativamente ao terceiro resgate á Grécia. A coisa estava manhosa eram para aí umas cinco e tal da manhã, quando eu, para quebrar o gelo entre gregos e alemães, me lembrei de ir comprar uns pães com chouriço a um tasco propriedade de emigrantes portugueses que já estava aberto para o mata bicho da manhã. Como ainda ninguém tinha dado pela minha presença - pensei eu - era muito provável que também não desse pela minha ausência, portanto podia meter-me ao caminho sem problema nenhum. E assim foi, acabei por ir e regressar e ainda estavam todos precisamente onde e como os tinha deixado. À direita a Merkel rodeada pelos seus acólitos de dentes afiados; à esquerda o Tsipras com o rabito entre as pernas. Coitado, até metia dó. Cheguei mesmo a comover-me, mas porra: ele fez por merecer e agora tinha de aguentar a penada.
Quando reentrei na sala onde decorria a reunião com os pães com chouriço dentro de um saco de papel, o primeiro ministro de um país nórdico acenou-me com o dedo que ali não era permitida a entrada a pessoas estranhas, muito menos a padeiros, pelo menos foi isso que entendi no meu inglês manhoso. A cena foi confrangedora e estive para o mandar para um certo sítio, não fosse a intervenção de um primeiro ministro vizinho que me conheceu e me veio puxar pelo braço. Quer dizer, eu na melhor das intenções estava ali com uns bons trinta e cinco pães com chouriço já a contar com os mais lateiros, além de um garrafão de abafadinho, e um viking de nome impronunciável estava a impedir-me de entrar na sala. Bem, só acabei por o perdoar porque tive pena do homem tal a reprimenda que o meu amigo espanhol lhe deu: he pá, então tu não conheces o meu amigo português? Voltas a fazer uma cena destas e levas um pontapé no traseiro ou tu pensas que por seres nórdico podes fazer o que quiseres ao pessoal do sul. 
O mal deles era mesmo fome. A reunião tinha começado a meio da tarde e o jantar viste-o. Não admirava, pois, que àquela hora já estivessem baralhados das ideias. Assim que pus a mercadoria em cima da mesa as hostes acalmaram-se. Era vê-los: alemães, finlandeses, franceses, italianos, espanhóis, belgas e mais uns quantos - que nunca me tinham sequer dito bom-dia ou boa-tarde - a fisgarem-se no meu pão com chouriço. Oportunistas. Sim, oportunistas é o que eles são. Só se lembram das pessoas quando necessitam, mas pronto. Deus está lá para ver estas coisas e o dia do julgamento final há-de chegar. Pelo menos o Tsipras aperta-me a mão mesmo sabendo que não vou à bola com ele e por isso também lhe dei um pão porque nós portugueses não somos como os Hunos do centro e norte da Europa que só dão um pão a quem lhes dá um presunto.
Como vinham uns pães a mais a Merkel alambosou-se logo com dois e passados cinco minutos engasgou-se- Eu estava a ver que lhe dava o badagaio logo ali. A mulher levou as mãos à garganta e ficou mais vermelha que um pimento, mas ninguém se atreveu a tocar-lhe. Quem é que tinha a coragem de mexer na mulher? Ninguém. Mais valia que esticasse o pernil ali mesmo do que interceder por ela e depois ser acusado de ofensas à integridade física ou assédio. Um austríaco andava ali em redor a ver se ela bebia um copito de "abafadinho" para desobstruir a via, mas sem grande convicção. Naquela altura fiquei inclusive com a ideia de que aquela corja, sobretudo os franceses, belgas, holandeses e todos os outros que à setenta anos foram invadidos pela Wermarch, estavam na expectativa que a mulher se finasse mesmo.
Foi o Tsipras, meus amigos, foi o Tsipras. Foi ele que num momento de lucidez e coragem pegou na Merkel pela parte de trás e num movimento rápido lhe apertou o abdómen fazendo-a expelir o pedaço de pão com chouriço que por acidente lhe entrara por onde não devia. O que se passou dali em diante fica no segredo dos deuses, mas digo-lhes somente uma coisa. A Merkel deu tantos beijos ao Tsipras que este regressou a Atenas todo encieirado.
Certo é que o episódio do pão com chouriço foi visto entre os presentes como uma mensagem de Deus, ou seja, foi entendido como uma profecia: o todo-poderoso queria o acordo a todo o custo  e fez tudo o que estava ao seu alcance para o obter por intermédio da minha pessoa. Aquele pão com chouriço foi providencial para o acordo e fui eu quem o dei à sr.ª Merkel, embora já tenha ouvido uns boatos que foi fulano, sicrano e beltrano. Isso é mentira. Não acreditem. Admito que os invejosos dos franceses quando me viram dar-lhe o pão com chouriço também lhe deram um pedaço de brioche ressequido, mas o que verdadeiramente engasgou a Merkel foi o toucinho tostado que estava no interior do pão que eu lhe dei. As imagens do circuito interno de televisão não mentem e a verdade virá ao de cima daqui a cinquenta anos quando as imagens forem desclassificadas.
A verdade, verdadinha, quer queiram quer não queiram é que, se a Grécia vai receber o terceiro resgate, a mim e ao meu pão com chouriço o deve.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Boca n. 23

A escrita sobre coisas sérias dá uma trabalheira do caraças e não tem receptividade nenhuma. O povo quer lá saber que a Grégia esteja pelas ruas da amargura, que o Papa ande em viagem apostólica pela américa latina ou que os EUA e Cuba se aprestam a abrir embaixadas. Qualquer destes assuntos não influi nem contribui para a felicidade das pessoas, sobretudo para aquelas, e são muitas, que vivem a sua vidinha como a formiga obreira: vai para lá, vem para cá, hoje, amanhã e depois, faça chuva ou faça sol, sobe, desce, come, dorme, vai para lá, vem para cá, hoje, amanhã e depois, faça chuva ou faça sol, sobe, desce, come, dorme e.....vai para lá e para cá e assim sucessivamente.
São muitas pessoas nestas circunstâncias, ou melhor, são demasiadas pessoas nestas circunstâncias. Milhões delas neste pequeno rectangulo à beira-mar plantado que pouco mais fazem do que garantir a sua própria subsistência e para quem nada mais interessa do que a satisfação das necessidades básicas.
Compreendo. Quando se tem uma refeição na mesa sem ter de reserva algo que permita cozinhar a refeição seguinte não há tempo para pensar em mais nada que não seja como e onde conseguir as batatas e a carne para meter dentro do tacho daí a umas horas.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Boca n. 22: Grécia e mais Grécia

Não tem por hábito este modesto escriba estender a pena várias vezes sobre o mesmo assunto, até porque usa este espaço como forma de exercitar os neurónios torcidos e retorcidos com os problemas profissionais, sempre mais do mesmo, que dia após dia tem no local de trabalho. Porém, a subsistência do impasse na situção grega e, sobretudo, o discurso emperdenido e bafiento que tem ouvido dos nossos governantes e alguns dos seus acólitos, obriga-nos a quebrar esta regra.
Compreendemos a preocupação extrema com os mercados, os tais que nos levaram à desgraça de um momento para o outro sem sabermos muito bem porquê. Bem, não somos obtusos a ponto de não reconhecer que muitas patifarias fizemos - se não fizemos consentimos que fizessem - mas isso não significa que a partir de determinado momento fizemos de cordeiro porque os lobos têm de ter sempre um cordeiro para comer. E o próximo a ser comido é sempre o mais fraco seja aqui ou noutra parte qualquer do planeta.
Dito isto, podemos perceber e aceitar que, agora que a taxas de juro estão baixissimas por tudo menos pelo facto de o nosso país ter melhorado significativamente, o Governo tenha a oportunidade de substituir dívida cara por outra substancialmente mais barata e com isso fazer um brilharete como se a relativa facilidade de acesso ao mercado fosse mérito seu. Só não diz que os mercados compram dívida portuguesa duas ou três vezes mais do que a oferta porque simplesmente continuamos a ser, ainda assim, o país que mais paga pelos juros da dívida. Pudera, mais vale receber algum do que ter de pagar a quem aceite o dinheiro, como é o caso da Alemanha, como se estivesse a fazer um frete ao cliente. 
Até toleramos as basófias sobre a confortavel almofada que nos permite viver sem sobressaltos alguns meses, mas não se perdia nada que, pela rama, dissesem ao povo que a coisa custa dois milhões de euros por dia em juros, mais coisa menos coisa. O povo engolia isso na boa porque mais milhão menos milhão já ninguém liga.
Até certo ponto podemos admitir que o jogo político joga-se dentro de campo e fora dele, o mesmo que dizer em Portugal e na Grécia, pelo que dá um jeitaço o Governo helénico ir de pantanas em véspera de eleições legislativas entre nós, dando ao nosso Governo a força e a autoridade necessária para poder dizer: estão a ver o que acontece aos habilidosos.
Temos uma compreensão quase infinita sobre estas questões porque a política é mesmo assim. Em política joga-se com as espectativas, por isso nem sempre se diz o que devia dizer-se porque quando se é sincero não se vai a lado nenhum. Portanto, não nos admira nada que o político diga em público precisamente o contrário do que diz em privado.
Aqui reside o cerne da questão. Temos para nós que este Governo é perigoso porque diz em público aquilo que pensa em privado. E di-lo, isso é que nos perturba, convencidissimo que está a dizer a verdade e que ao fazê-lo está a ser diferente de todos os outros porque enquanto os outros mentem em público eles não. 
É pelo facto de estarem convencidos que os portugueses estão muitissimo melhor do que os gregos que os nossos governantes não abrem o pio para censurar o que quer que seja aos programas de resgaste. Se os portugueses agora estão no paraiso os gregos tambem podiam estar se tivessem feito por isso e não vamos agora nós ficar a arder para eles continuarem a espalhar dinheiro a torto e a direito. Além do mais, a sondagem mais recente até já deu a entender que os portugueses estão mesmo no paraiso, ou melhor, os que pensam que estão no paraiso já são um pouco mais do que aqueles que acham que estão no inferno.
Pois bem, caia ou não o governo grego, os portugueses dirão de sua justiça. Quero ver qual o funcionário publico e respectiva família que vai ter a coragem de votar neste governo (sempre há uns quantos masoquistas que gostam de levar no.... e pedem mais, mas não são assim tantos). Quero ver qual vai ser o reformado que vai votar na coligação (sempre há meia-dúzia de ex-políticos profissionais com reformas douradas que são indefectiveis das respextivas cores). Quero ver qual o jovem desempregado, incluindo os milhares de pseudoempregados, que vai votar na dita gente (sempre há uns jotitas que ganham a vida a colar cartazes para quem a coisa está boa).
Ainda assim, honestamente, gostavamos que a gente que nos tem dirigido nestes últimos anos continuasse mais algum tempo. Não que tenhamos especial predilecção pelos personagens, pelo contrário, mas porque os queremos ver morder a lingua e provar do próprio veneno. Para nosso mal, diga-se, porque vamos sofrer mais uns bons anos. 
Quando os mercados começarem a despertar e as taxas de juro voltarem, no mínimo, aos valores habituais antes da crise - basta os 3% da ordem nos empréstimos mais longos - quero ver onde o Governo deste país vai buscar dinheiro para pagar os juros dos duzentos e muitos mil milhões de dívida pública correspondentes aos centro e trinta e tal por cento do PIB que o imaculado programa de resgate gerou. Depois venham dizer que foi o outro. Depois venham dizer que os gregos, afinal, não tiveram tanta culpa assim.
Nessa altura, se ainda cá estivermos, talvez não sejamos tão benevolentes como até ao momento. Queira Deus ou o diabo - o Estado é laico mas as pessoas podem não ser - que nessa altura essa corja tenha o destino do tal conde que galgou a varanda em 1640.

Bocaslusas