sexta-feira, 22 de maio de 2015



Boca n.º 19: Policias, bastões e engravatados


O tema da semana foi indiscutivelmente a intervenção da polícia após o final do Jogo entre o Benfica e o Vitória de Guimarães muito pela contundência das imagens captadas pelas câmaras da televisão. De facto, a avaliar somente por aquilo que nos foi dado a ver – não a ouvir – custa a aceitar que um agente da autoridade, especialmente um graduado investido em funções de comando, tenha tido uma intervenção tão enérgica e desproporcionada em face da ameaça que aparentemente se lhe apresentava.
 Aproveitamos para deixar bem vincado que todo o excesso deve ser punido de forma exemplar mas não em cima do joelho sob pressão da opinião pública. Não nos parece que um polícia, só pelo facto de o ser, deva ser pré-condenado sem direito a contradita como se a verdade da outra parte sustentada na força das imagens fosse uma verdade absoluta. A verdade, seja ela qual for, emergirá naturalmente de todo este emaranhado de contra-informação como o azeite se eleva na água por mais turva que esta se apresente. Não adianta, pois, mexer e remexer a água na ânsia de diluir a gordura que ela acabará por se revelar. Dito isto, nem mais um segundo perdemos com este caso em concreto.
Todavia, em abstracto o assunto interessa-nos sobremaneira. Compreendemos todo este burburinho porque a notícia é o homem morder no cão e não o contrário. Alguém quer saber se um caniche, um rafeiro ou um são bernardo mordeu numa pessoa? Claro que não: se o cão se sente ameaçado - morde. Nada mais normal. Mas se alguém morder num cão o caso muda de figura porque supostamente o homem não tem reacções de primata: o símio morde nos outros animais mas o homem não. Posto isto, perguntamos. Alguém se preocupa em saber por que motivo estas coisas acontecem contra a ordem natural das coisas? As televisões não têm interesse em investigar por que motivo algumas pessoas passaram a usar as mandíbulas para tudo menos para aquilo para que elas deviam servir? Deviam, mas não o fazem para muita pena nossa.
Se os órgãos de comunicação social, especialmente as televisões, tivessem a mínima motivação para se inteirar das razões descobririam coisas interessantíssimas. Descobririam, por exemplo, que parte substancial dos polícias não tem o mínimo prazer em ir policiar jogos de futebol, do glorioso ou do cascalheira, porque tanto num caso como no outro são obrigados a passar cerca de três horas a pé firme, sem pestanejar e a ouvir de tudo e mais qualquer coisa pela porcaria de pouco mais de vinte euros a receber dai a uns bons meses – alturas houve em que eram anos – depois de feitos os respectivos descontos. É verdade, depois de uma semana de serviço em turnos rotativos, de dia e de noite, com umas quantas horas mal dormidas pelo meio, são obrigados a fazer os serviços ditos “gratificados” a troco de tuta-e-meia sem possibilidades de recusa.
O cidadão comum já se interrogou se é legitimo obrigar alguém a abdicar do seu escasso tempo livre em prol da realização de um evento cujo interesse público é questionável. Se a realização de um jogo de futebol tem interesse público – nalguns casos admitimos que sim – a polícia devia ser mobilizada para esse evento no horário normal de serviço e sem pagamento da dita gratificação de miséria, como é óbvio, mas em compensação respeitava-se o direito ao descanso que lhe é devido após uma semana de trabalho. É assim em todo o mundo dito civilizado.
A opinião pública deste país devia saber que há muitos polícias, quem diz polícias diz guardas, a trabalhar entre a meia-noite e as seis ou oito da manhã a que se segue o policiamento de um jogo de futebol às três da tarde com obrigação de estar no local uma hora antes. Façam contas. São apenas seis ou oito horas de diferença entre serviços, incluindo o tempo da refeição pelo meio. Alguma televisão se deu ao trabalho de indagar se era verdade que, nalguns casos, entre as oito da manhã e as duas da tarde o moiro ainda tem de fazer mais um extra forçado pelas dez da manhã nos campeonatos das camadas jovens. Pois é, não sabem mas quando a coisa dá para o torto já estão em cima do acontecimento. Não interessa se o mainato está mais morto do que vivo, não interessa se tem os nervos à flor da pele de tanto cansaço e não interessa se no final do jogo vai fazer outra noite sem ter recuperado da anterior. Interessa é haver sangue e quanto mais melhor.
A verdade é só uma mas tem duas faces como as moedas, Uma delas é exposta sempre que o polícia mete o pé na poça mas a outra contínua oculta como se não existisse porque não interessa. O chamado jornalismo de investigação – o tal das câmaras ocultas que de tempos a tempos entra pelos hospitais – devia também acompanhar dissimuladamente os polícias nas suas actividades para demonstrar os cidadãos exemplares que povoam este país à beira-mar plantado. Seria extremamente interessante ver como certos indivíduos se dirigem ao agente da autoridade como se ele fosse um burro em forma de gente num país em que qualquer indivíduo que use gravata exige mordomias de sr. Dr. ou de V. Ex.ª. Os portugueses não sabem – mas deviam saber – que não é raro os polícias levarem um detido a tribunal para julgamento às nove da manhã após uma noite de serviço e às duas da tarde ainda estarem na sala de espera a aguardar por uma satisfação. Grande consideração por um profissional que estafou o coiro durante toda a noite e na hora de ir para a cama ainda teve a coragem de não virar costas à prática de um crime.
É por estas e por outras que vai-não-vai apontam a pistola à têmpora e acabam-se as desfeitas. As televisões deviam indagar quantos policias se suicidaram nos últimos anos em resultado deste estado de coisas. Deviam investigar o têm feito as chefias para combater este flagelo. Deviam questionar se a inspecção-geral do ministério da administração interna faz a mínima ideia do que se passa. Deviam saber se o ministro da tutela tem opinião formada sobre o assunto. Deviam, mas não fazem por que isso não dá share (porcaria de palavra).
O polícia deve ter – e tem – a preparação adequada para enfrentar certas contingências, não podendo reagir por impulso. Todavia o polícia é um homem não é um autómato e como tal não está isento de em condições extremas se desviar do padrão de conduta que era espectável da sua pessoa. Será justo condenar alguém sem fazer a mínima ideia das razões subjacentes a uma determinada tomada de posição? Não parece. Portanto, quando assim é mais vale deixar os juízos de valor para as instâncias adequadas porque é nesses fóruns que as verdades vêm ao de cima. Isto não significa, como é óbvio, que não tenhamos a nossa opinião sobre as coisas mas não podemos ignorar que a nossa verdade vista à distância é sempre, e tão só, uma meia-verdade. Ora com meias-verdades não se faz boa justiça sobretudo quando alguém pode ser punido disciplinar e criminalmente.
Quando alguém pode ser punido a dobrar, como é o caso, o mínimo que se exige é que haja igualmente o dobro da diligência no processo punitivo. E se for culpado – puna-se.
Bocaslusas



  


sábado, 16 de maio de 2015



Boca 18: Jovens delinquentes e míldio da videira


O país dito de brandos costumes foi esta semana surpreendido com notícias de crimes cometidos por jovens, alguns com contornos verdadeiramente lamentáveis. Estes casos são bem ilustrativos de uma certa juventude que este país pariu e continua a parir, felizmente não ilustrativa da generalidade dos jovens, mas ainda assim suficientemente expressiva para nos preocupar seriamente. Sem particularizar, quais as razões que levam alguém tão jovem a cometer crimes tão hediondos? Não somos arautos da verdade, mas só não vê quem não quer.
Como diz o povo “o que nasce torto dificilmente se endireita” ou “reles cepa não pode dar bom vinho”. É verdade, se a casta não presta o máximo que se consegue produzir é uma mijoca que nem para temperar a salada serve, mas a casta não é tudo. Uma boa trincadeira ou castelão também não produz pinga que se veja se não for plantada em solo adequado e com condições atmosféricas a condizer. Podem perguntar. Numa vinha de casta seleccionada com solo equilibrado e microclima perfeito não surgem por vezes focos de míldio? É verdade. Há coisas inexplicáveis, se a vinha foi toda tratada da mesma maneira custa a compreender a razão pela qual uma ou outra videira é mais propensa à «ferrugem» ou «pulgão», mas isso não significa que se abandone o tratamento da vinha. O problema é saber qual o tratamento mais adequado.
Em primeiro lugar convém referir que cada um só pode actuar na sua própria vinha. Portanto, por mais diligente que se seja, os resultados ficarão sempre aquém se os vizinhos não forem igualmente diligentes. As videiras são como as batateiras: não adianta rigorosamente nada nós aplicarmos sulfato na nossa horta se os vizinhos do lado forem produtores biológicos. Os escaravelhos vão comer a rama das batateiras deles e de seguida vão comer a rama das nossas. É assim e não há nada a fazer. Mal nos descuidamos as nossas batateiras estão iguais ou piores que as deles e vai toda a produção por água abaixo. 
Qual o papel do Estado no meio disto tudo? Se o agricultor diligente não pode ir à sementeira do vizinho dar o mesmo trato que dá à sua, é espectável que seja o Estado a assumir essa função em defesa do bem comum. É para isso que o Estado serve. Devia servir mas não é bem assim e os exemplos por esse país fora são a prova da nossa razão. Peguemos mais uma vez numa figura que nos é familiar para elucidar a natureza do problema.
Quem viaja frequentemente pelo interior do país sabe que há anos prolifera uma praga de nemátodo que tem dizimado o pinheiro bravo a passo galopante. Perante isto o Governo tomou algumas medidas no sentido de controlar o problema mas sem resultados. Pinheiro após pinheiro, o infestante tomou conta de toda a floresta a ponto de, hoje em dia, nalgumas regiões as plantações e respectivos proprietários estarem completamente arruinados. E porquê? Porque os sucessivos governos não foram suficientemente diligentes para não dizer que foram altamente negligentes. Por causa dessa treta do direito de propriedade bla, bla, bla, foi-se consentido que meia dúzia de proprietários bardinas se estivessem a marimbar para o fenómeno e o resultado foi a propagação da doença a ponto de agora não haver volta a dar. O efeito prático tem sido a substituição do pinheiro pelo eucalipto o que, adaptado ao caso, equivale à substituição de gente de bem por gente mal formada simplesmente porque as primeiras deixaram de ter condições para viver num país que sempre foi o seu. O Estado devia ter tido mão forte e ter ordenado o abate imediato de todas as árvores doentes. Acredito até que o tenha feito, mas depois não foi confirmar se a lei foi ou não cumprida e não agiu em conformidade para com os incumpridores. Perante o incumprimento só tinha ele próprio de ter pegado na motosserra, abatido as árvores doentes e apresentado a factura ao dono. Não o fez e agora não pode dizer que não teve culpa no cartório: teve e muita. Em vez de pinheiro bravo produtor de boa madeira e resina temos agora eucaliptos que secam tudo à sua volta.
Os problemas da nossa juventude não são muito diferentes dos problemas da nossa agricultura e silvicultura. Uma grande franja da nossa juventude é assim como as sementes geneticamente modificadas. Antigamente a nossa agricultura suportava-se no cultivo de espécies autóctones bem adaptadas à pobreza do solo e clima adverso. O resultado era fruta saborosa, mas com mau aspecto. Actualmente opta-se cada vez mais por sementes transgénicas que crescem em qualquer solo e resistem às intempéries. O resultado são frutos vistosos mas que não sabem a nada.
Não venham para cá com teorias e mais teorias. As coisas chegaram a este ponto porque as pessoas consentiram. As ervas daninhas cresceram porque alguém as deixou crescer. Mais grave, as ervas daninhas cresceram porque alguém as regou todos os dias, lhes deitou adubo para que crescessem mais depressa e as tratou melhor do que as espécies para consumo. No que deu? A horta está toda infestada de ervas daninhas e agora os tomateiros e os pimenteiros definham no meio delas.
E agora? Bem, agora das duas, uma: ou catamos urgentemente as ervas daninhas enquanto é possível; ou num futuro próximo teremos de pulverizar hectares e hectares de sementeira eliminando simultaneamente as ervas daninhas e não daninhas.
Não queremos isto, certamente. É menos nocivo arrancar as ervas daninhas, uma a uma, pela raiz, enquanto é tempo e se possível queimá-las para que a semente não fique na terra e no ano seguinte volte a crescer.
O que pretendemos dizer é simples. No nosso ordenamento jurídico a imputabilidade penal alcança-se aos 16 anos, o que significa que a partir desta idade alguém que cometa um crime é responsável pelos seus actos. Porém, até aos 21 anos existe um regime especial que faz com que, na maior parte dos casos, os crimes cometidos por jovens nesta faixa etária sejam penalizados de forma muito ligeira. Bem ou mal? Se calhar bem, até ao momento, mas perante aquilo a que temos vindo a assistir nos últimos tempos talvez seja chegada a altura de começar a discutir este assunto. Se um indivíduo a partir dos dezoito anos pode votar e, como tal, contribuir para a decisão de uma coisa tão importante como o governo do seu país é porque tem a maturidade necessária ao exercício desse e outros direitos. Ora, se tem a maturidade que se exige ao exercício do direito de voto como um cidadão com quarenta anos, não tem de ser menos penalizado quando não cumpre com as suas responsabilidades. Se aos 14 anos já tem maturidade a ponto de questionar as decisões dos seus pais, se aos 14 anos já sabe tudo, então talvez também deva passar a ser responsabilizado em termos penais a partir dessa idade. Responsabilizado e bem de forma a cortar o mal pela raiz.
Reconhecemos que o excesso não nos leva a lado nenhum mas a permissividade conduziu-nos ao lugar onde nos encontramos. Se formos ver o que andam alguns dos pequenos grandes criminosos da nossa praça a fazer na escola o que descobrimos? Bem, não descobrimos nada que não saibamos já há muito tempo. Alguns vão lá apenas para desestabilizar os outros, ou seja, vão lá para desaprender e para impedir os outros de aprender. Isto só acontece por culpa da “pedagogia” que nós temos andado a promover há décadas e da qual agora não nos podemos queixar. Se este pessoal fosse todo junto na mesma turma e colocado sob a alçada de professores à moda antiga o assunto estava resolvido: «só se perdia uma turma» e «só se perdiam as que caíam ao lado». Mas não. Estes «meninos» não podem ser juntos na mesma turma para não se sentiram estigmatizados, mas os miúdos de bem que vão à escola porque querem aprender e ser alguém na vida já podem ser estigmatizados.
Depois, e com esta terminamos, o que interessa ter Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo se a intervenção das comissões estiver dependente da autorização dos pais? Vejam bem; perante uma situação de perigo vai perguntar-se ao pais - que muitas vezes deviam ser o primeiros a levar umas chibatadas – se autorizam a intervenção da comissão em prol do bem dos filhos quando são eles os que mais mal lhes fazem.
Está tudo dito.

Bocaslusas

sábado, 9 de maio de 2015



Boca 17: Atropelar um, dois ou três peões. Qual a diferença?


Infelizmente esta semana ocorreu mais um acidente envolvendo peregrinos que se deslocavam para Fátima com a agravante de, desta vez, terem falecido cinco pessoas. Já ninguém consegue devolver a vida a estas pessoas, é um facto, mas, no mínimo, devia aproveitar-se a oportunidade para reflectir sobre o assunto.
Um acidente é isso mesmo: um acidente, ou seja, um acontecimento imprevisto e indesejado pelos seus intervenientes. Para a ocorrência do acidente, seja ele de que tipo for, concorrem sempre diversos factores, no caso de um acidente de viação: a configuração da via, as condições atmosféricas, o estado de espírito dos intervenientes, o estado mecânico dos veículos, etc. Portanto, quem tiver a veleidade de se propor acabar com este tipo de ocorrências terá de ter a arte e o engenho de agir sobre todos os factores que acabamos de enunciar de forma a extinguir a possibilidade de qualquer deles criar condições para a ocorrência do acidente. Como isto é simplesmente impossível não vamos perder mais tempo com esta questão. Os acidentes não deixarão de ocorrer quer queiramos quer não, simplesmente porque não conseguimos agir sobre todas as variáveis do acidente.
Acidentes sempre os haverá, mas há acidentes e acidentes. Não se pode comparar um acidente de viação devido a uma falha mecânica ou condições atmosféricas adversas com um acidente de viação devido a circunstâncias que não queremos sequer chamar à colação por demais conhecidas. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, mas infelizmente tudo parece estar metido no mesmo saco. Um acidente de viação é um acidente e como tal o respectivo condutor não é bem um criminoso logo tem de ter um tratamento soft porque afinal o azar pode bater à porta de qualquer um.   
Será que o cidadão comum faz ideia de que os acidentes de viação de que resultem mortos são em regra subsumíveis ao crime de “homicídio por negligência” que é punido com pena de prisão até cinco anos? Será que o cidadão comum tem presente que, em regra, a condenação em pena de prisão até cinco anos é suspensa na sua execução? Será que o cidadão comum sabe que, tendo em consideração que a moldura penal não ultrapassa os cinco anos, o suspeito da prática do crime de homicídio por negligência não pode ficar preso preventivamente. Será que o cidadão comum tem a noção de que o suspeito da prática deste tipo de crime só em situações devidamente fundamentadas fica detido após o acidente até que seja presente a tribunal?
Duvidamos que saiba e, na verdade, também não é exigível que saiba porque não são contas do seu rosário. Por que tem mais com se preocupar o cidadão comum ignora que o suspeito da prática deste tipo de crime na maior parte das vezes comparece no tribunal mediante notificação dos órgãos de polícia criminal, ou seja, vai porque quer, nada o impedindo de após o acidente se por ao fresco para a cochinchina, quiçá para um país que não tem acordos de extradição com Portugal. O cidadão comum desconhece que embora o suspeito seja obrigatoriamente sujeito a termo de identidade e residência quando comparece em tribunal eventualmente acumulável com outra medida de coacção, só não se põe igualmente a milhas antes do julgamento se não quiser.
Pois é. Um indivíduo põe-se ao volante, vai por essa estrada fora e derruba um, dois ou três e o que é que acontece? Acontecem duas coisas: os desgraçados vão para debaixo da terra e o condutor fica por cá a assobiar para o lado, tanto faz que derrube três, quatro ou cinco como cinquenta. Mesmo que tenha o azar de ficar efectivamente preso, ainda sai muito a tempo de voltar a ter outro «acidente» e derrubar mais uns quantos e assim sucessivamente enquanto houver peões para atropelar. O mal disto tudo é que a fé parece ser exclusiva dos mais pobres porque os mais abastados, pelos vistos, não têm azares na vida. Esta gente vende saúde e transborda de dinheiro pelo que não tem necessidade de andar apeada por essas estradas fora e assim sendo não se sente impelida a mudar este estado de coisas.
Quando estas coisas acontecem aos outros sentimos arrepios mas a vida continua. Quando a tragédia nos bate à porta tudo muda de feição. Nesta altura percebemos que algo está mal, que algo cheira a podre, que algo tem de mudar. A questão nuclear é esta. No nosso país, bem ou mal, é necessário preencher uma série de requisitos para obter uma licença de uso e porte de arma de defesa a ponto de, neste momento, muita gente já ter desistido de o fazer, ainda que objectivamente tenha necessidade de deter uma arma de fogo para auto protecção. Para tirar uma carta de condução é necessário ter dezoito anos de idade e ter disponibilidade para pagar algumas centenas de euros à escola de condução. Pouco mais.
Todavia, se alguém matar outrem com recurso a uma arma de fogo sujeita-se a uma pena de prisão que, consoante as circunstâncias, pode ir até 25 anos, mas se a mesma pessoa decidir cometer um homicídio mediante atropelamento, a não ser que se consiga provar que o fez com dolo, é punido no máximo com cinco anos de prisão e só muito excepcionalmente prisão efectiva.
Este quadro não é minimamente dissuasor. Enquanto assim for, podem crer, continuaremos a ouvir falar de acidentes e mais acidentes em condições que nos fazem coçar atrás da orelha. O nosso ordenamento não incute no condutor a responsabilidade que ele efectivamente tem quando conduz um veículo automóvel, ou seja, não lhe transmite a sensação de que nas suas mãos tem uma arma mortífera e como tal espera que ele tenha um comportamento em conformidade sob pena de ser fortemente penalizado. Cúmulo dos cúmulos, em determinadas circunstâncias o nosso ordenamento jurídico pode punir mais fortemente o furto da viatura do que a morte do dono que se atravessou na estrada na tentativa de reaver.
É assim, infelizmente, e o condutor português sabe disso. É por ter a percepção de que a lei pouco se importa com aquilo que ele faz no exercício da condução que continua a conduzir da forma como o faz. Nós, portugueses, que frequentemente invocamos o que se passa nos outros países para justificar, bem ou mal, o que se passa no nosso, devíamos dar uma vista de olhos pela forma com a lei e as autoridades tratam esta questão na generalidade dos países anglo-saxónicos. Nesses países, tipo Estados Unidos ou Austrália, o exercício da condução é uma coisa séria. Um condutor que seja detectado em violação grosseira das regras de trânsito dificilmente prossegue a condução. O mais certo é ficar apeado e de seguida ser presente a um juiz que lhe põe o dedo no nariz: voltas cá e vais para a cadeia, isto se não fores já.
Nós por cá somos mais brandos: um condutor pode cometer uma infracção, duas, três ou quatro, que, quando muito, leva outras tantas coimas e segue viagem. Para ser detido e ser presente a tribunal por condução perigosa é quase necessário que aconteça aquilo que se pretende evitar, ou seja, o próprio acidente. 
Experimentem deixar-se de princípios e mais princípios e prevejam a possibilidade legal de perante violações grosseiras das regras de trânsito os respectivos condutores ficarem com a carta imediatamente apreendida. Criminalizem o crime de homicídio por negligência como deve ser, autonomizando-o quando cometido através de veículos automóveis e com uma moldura penal pesadinha. Os condutores não pensavam nisto antes de elevarem os copos ao alto? Os condutores não pensavam nisto sempre que pegassem no volante dos seus automóveis? Os condutores não pensavam nisto antes de meterem prego a fundo, ultrapassando pela esquerda e pela direita?
Pensavam sim senhor e se não pensassem lá estavam as autoridades para os lembrar no momento. E para os que tivessem maior dificuldade em lembrar-se havia certamente um lugar onde teriam todo o tempo para o fazer: a cadeia. 

sexta-feira, 1 de maio de 2015



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Boca n.º 16: A TAP vai falir?

Nos últimos dias não se falou de outro assunto a não ser a greve na TAP. Pois bem, ela aí está. Dez dias de aviões em terra. Quem é que tem razão? A resposta é simples e por demais evidente: independentemente das razões que assistem a qualquer das partes, os contribuintes em geral e os passageiros em particular são os únicos prejudicados sem terem contribuído rigorosamente nada para que as coisas chegassem a este ponto. Portanto, são os únicos que têm inteira razão para estarem insatisfeitos em todo este processo.
Se perguntarmos a um contribuinte que nunca tenha tido o privilégio de voar num avião da TAP sobre o destino a dar à empresa a resposta será curta e grossa: fecha-se essa m…da. E porquê? Porque os portugueses estão fartos de guerras intestinas no interior da empresa; porque os portugueses estão cansados de pagar os encargos derivados de más opções gestionárias da empresa, e; porque os portugueses já não suportam as derivas políticas quanto ao futuro da empresa. O cidadão comum está agastado com toda esta situação e está pura e simplesmente a marimbar-se para o modelo a seguir na TAP desde que acabem com estado actual e não lhe peçam mais dinheiro no futuro.
Independentemente da razão que eventualmente assista aos pilotos a ideia que se instalou no público é que eles não percebem que estão a voar em aviões de uma empresa que por enquanto se chama TAP pertencente a um país que se chama Portugal onde vivem alguns milhões de portugueses que nos últimos anos têm sofrido as passas do Algarve. No cidadão comum instalou-se a convicção de que, quando voam a não sei quantos milhares de pés de altitude, os pilotos não têm um único segundo para tirar os olhos do painel de instrumentos e verem o que se passa cá em baixo. A ideia que fica é a de que a vida deles é voar, aterrar e ir para o hotel ou para casa, sem terem a mínima percepção do que existe à sua volta.
Se prestassem mais atenção os pilotos veriam que há milhares e milhares de portugueses muitíssimos qualificados, que trabalham que nem uns galegos e mal têm onde cair mortos. Se prestassem mais atenção sabiam – se é que não sabem - que cá em baixo há muita gente que não trabalha menos, e com tanta ou mais responsabilidade, sem ter metade das mordomias. Profissões que têm directamente a ver com a segurança e a vida das pessoas há dezenas delas; trabalhadores que exercem a sua actividade em horários irregulares são aos milhares; actividades que exigem elevadas qualificações técnicas são mais que muitas. Sabem quanto o país paga a estes trabalhadores? Justa ou injustamente paga-lhes aquilo que a força das circunstâncias permite pagar.
Estamos na Península Ibérica, não estamos na Península Arábica. Aqui os aviões não enchem os depósitos de combustível ao preço da uva mijona. Mas, curiosamente, num sector onde, diz-se, há sempre colocação para pilotos experientes, o povo não percebe uma coisa: se os pilotos estão mal na TAP porque é que não vão pregar para outra freguesia que é como quem diz voar para uma companhia do médio oriente onde sejam pagos a peso de ouro e tenham todas as regalias a que julgam ter direito? A resposta é conhecida. Não vão porque se calhar as coisas não são bem como as pintam e porque sabem que se lá fizessem um décimo das tropelias que por cá fazem – tipo greve de dez dias – se não iam imediatamente para o olho da rua ficavam em lista de espera.
Parece que um dos motivos que conduziu à greve foi a exigência de terem tratamento preferencial num futuro processo de privatização em cumprimento do que ficou previsto em acordo firmado há alguns anos com o Governo. O prometido é devido, é verdade. Mas não é menos verdade que não se pode prometer o sol ou a lua a ninguém. Uma promessa deste tipo não pode nem deve ser levada a sério. Por que não prometer parte das escolas aos professores; parte dos hospitais aos médicos; partes de todos os organismos públicos aos seus funcionários, sempre que estes decidam fazer uma greve? Para o povo não há diferença rigorosamente nenhuma: TAP, escolas, hospitais, repartições de finanças, etc., “tudo pertence a todos; e nada pertence a ninguém”. Portanto, quem prometeu o que não lhe pertencia mais valia estar quieto e quem acreditou na validade da promessa foi tão ou mais tonto do que quem prometeu. 
A propósito ocorre-nos uma pergunta. Só pelo facto de não poderem fazer greve os polícias não têm direito a reivindicar parte das esquadras e os militares não têm direito a exigir parte dos quartéis? Dos quartéis é uma força de expressão porque quando se tem parte de uma empresa tem-se parte das instalações, equipamentos e tudo o resto, no caso quartéis, aviões, navios e carros de combate. Havia de ser lindo. E para pôr uma avião a voar não é preciso pessoal de manutenção e pessoal de abastecimento? Não são necessários controladores aéreos? Este pessoal não é igualmente importante a ponto de ter também uma participaçãozita na empresa ainda que seja funcionário de outras? Do mesmo modo os médicos, enfermeiros e auxiliares de acção médica; os professores e os auxiliares de acção educativa, e, por que não; os oficiais, os sargentos ou as praças.
O povo já tem a TAP pela raiz dos cabelos. A TAP que vá para o charco doa a quem doer e quem está mal que se mude. Se o BES era privado, deu o badagaio e no final sobrou – ou há-de sobrar - para o contribuinte, por maioria de razões a TAP pode também dar o berro que o contribuinte já sabe quem vai pagar a factura no final. Que vá à falência e quanto antes melhor porque cada dia que passa a conta aumenta. O povinho não precisa de ser jurista ou economista para saber como as coisas se vão passar porque a escola da vida já lhe ensinou como o processo decorre. É assim: a fruta podre vai directamente para o caixote do lixo a fim de ser processada internamente; a fruta que estiver em condições fica na montra para estrangeiro ver, provar e, quem sabe, levar.
Sim. Estrangeiro levar porque dai até comprar vai uma grande distância. Qual o investidor que no seu perfeito juízo vai comprar um cesto de fruta bolorento onde se aproveitam apenas duas ou três laranjas e meia dúzia de bananas? Nenhum. Quando muito oferece-se para levar o cesto da fruta de borla e por especial favor, e no imediato porque se for daqui a algum tempo nem isso. E têm razão. Quem deixa apodrecer a fruta que aguente o cheiro advindo da decomposição.
Por isto, o cenário está tal qual o tempo: farrusco e chuvoso. A TAP vai cair de podre com pouco mais de setenta anos de idade, ou seja, bem abaixo da esperança média de vida para as mulheres que nesta altura já está bem acima dos oitenta. A greve que agora se inicia vai fazer alastrar o bolor às poucas peças de fruta que teimavam em permanecer sãs e que ainda faziam com que o cabaz fosse globalmente vistoso e apetecível para o comprador. Estamos a falar, percebe-se, da reputação. 
Quem irá querer uma mulher que além de feia tem má fama? Essa treta de que a fruta nacional tem mau aspecto mas é boa vale para consumo interno mas lá fora não vinga. Vão a uma exposição internacional mostrar as nossas maçãs bichadas ver se alguém lhes pega ainda que digamos que são biológicas. Não têm melhor compra as maçãs golden de produção intensiva mesmo que não tenham sabor nenhum? Com a reputação passa-se precisamente a mesma coisa. O que parece é. E neste campo já não se tem dúvidas de que a TAP é aquilo que parece ser: uma companhia onde ninguém se entende e com a qual, volta e meia, os passageiros ficam apeados. E quando assim é, digam o que disserem, os passageiros pensam duas vezes no momento de comprar o bilhete. É da natureza humana: “para chegar tarde e a más horas vou a pé. Sei que tenho de sair mais cedo mas tenho a certeza que chego a horas”. Ora, na conjuntura actual não há necessidade de andar a pé porque as ofertas são mais que muitas e os pilotos não ignoram isto. Se a TAP fechar portas alguém vai assumir imediatamente o seu lugar e provavelmente até vai dar emprego aos pilotos que agora fincam pé não se sabe muito bem porquê, mas não pensem eles que estas companhias estão para lhes aparar o jogo tal como a TAP e o povo português tem feito há décadas. 
Terminamos com um convite: para não irem muito longe vão para a Lufthansa ou British Airwais fazer greves de dez dias. Vão para lá com exigências de participação no capital social e com todas as balelas que vos temos ouvido nos últimos anos. Vão ouvir uma resposta que tanto serve em alemão como em inglês: OUT, que, como sabem, em bom português significa "rua", "fora" ou "ponham-se a milhas". 
Querem experimentar?