quarta-feira, 1 de julho de 2015

Boca n. 22: Grécia e mais Grécia

Não tem por hábito este modesto escriba estender a pena várias vezes sobre o mesmo assunto, até porque usa este espaço como forma de exercitar os neurónios torcidos e retorcidos com os problemas profissionais, sempre mais do mesmo, que dia após dia tem no local de trabalho. Porém, a subsistência do impasse na situção grega e, sobretudo, o discurso emperdenido e bafiento que tem ouvido dos nossos governantes e alguns dos seus acólitos, obriga-nos a quebrar esta regra.
Compreendemos a preocupação extrema com os mercados, os tais que nos levaram à desgraça de um momento para o outro sem sabermos muito bem porquê. Bem, não somos obtusos a ponto de não reconhecer que muitas patifarias fizemos - se não fizemos consentimos que fizessem - mas isso não significa que a partir de determinado momento fizemos de cordeiro porque os lobos têm de ter sempre um cordeiro para comer. E o próximo a ser comido é sempre o mais fraco seja aqui ou noutra parte qualquer do planeta.
Dito isto, podemos perceber e aceitar que, agora que a taxas de juro estão baixissimas por tudo menos pelo facto de o nosso país ter melhorado significativamente, o Governo tenha a oportunidade de substituir dívida cara por outra substancialmente mais barata e com isso fazer um brilharete como se a relativa facilidade de acesso ao mercado fosse mérito seu. Só não diz que os mercados compram dívida portuguesa duas ou três vezes mais do que a oferta porque simplesmente continuamos a ser, ainda assim, o país que mais paga pelos juros da dívida. Pudera, mais vale receber algum do que ter de pagar a quem aceite o dinheiro, como é o caso da Alemanha, como se estivesse a fazer um frete ao cliente. 
Até toleramos as basófias sobre a confortavel almofada que nos permite viver sem sobressaltos alguns meses, mas não se perdia nada que, pela rama, dissesem ao povo que a coisa custa dois milhões de euros por dia em juros, mais coisa menos coisa. O povo engolia isso na boa porque mais milhão menos milhão já ninguém liga.
Até certo ponto podemos admitir que o jogo político joga-se dentro de campo e fora dele, o mesmo que dizer em Portugal e na Grécia, pelo que dá um jeitaço o Governo helénico ir de pantanas em véspera de eleições legislativas entre nós, dando ao nosso Governo a força e a autoridade necessária para poder dizer: estão a ver o que acontece aos habilidosos.
Temos uma compreensão quase infinita sobre estas questões porque a política é mesmo assim. Em política joga-se com as espectativas, por isso nem sempre se diz o que devia dizer-se porque quando se é sincero não se vai a lado nenhum. Portanto, não nos admira nada que o político diga em público precisamente o contrário do que diz em privado.
Aqui reside o cerne da questão. Temos para nós que este Governo é perigoso porque diz em público aquilo que pensa em privado. E di-lo, isso é que nos perturba, convencidissimo que está a dizer a verdade e que ao fazê-lo está a ser diferente de todos os outros porque enquanto os outros mentem em público eles não. 
É pelo facto de estarem convencidos que os portugueses estão muitissimo melhor do que os gregos que os nossos governantes não abrem o pio para censurar o que quer que seja aos programas de resgaste. Se os portugueses agora estão no paraiso os gregos tambem podiam estar se tivessem feito por isso e não vamos agora nós ficar a arder para eles continuarem a espalhar dinheiro a torto e a direito. Além do mais, a sondagem mais recente até já deu a entender que os portugueses estão mesmo no paraiso, ou melhor, os que pensam que estão no paraiso já são um pouco mais do que aqueles que acham que estão no inferno.
Pois bem, caia ou não o governo grego, os portugueses dirão de sua justiça. Quero ver qual o funcionário publico e respectiva família que vai ter a coragem de votar neste governo (sempre há uns quantos masoquistas que gostam de levar no.... e pedem mais, mas não são assim tantos). Quero ver qual vai ser o reformado que vai votar na coligação (sempre há meia-dúzia de ex-políticos profissionais com reformas douradas que são indefectiveis das respextivas cores). Quero ver qual o jovem desempregado, incluindo os milhares de pseudoempregados, que vai votar na dita gente (sempre há uns jotitas que ganham a vida a colar cartazes para quem a coisa está boa).
Ainda assim, honestamente, gostavamos que a gente que nos tem dirigido nestes últimos anos continuasse mais algum tempo. Não que tenhamos especial predilecção pelos personagens, pelo contrário, mas porque os queremos ver morder a lingua e provar do próprio veneno. Para nosso mal, diga-se, porque vamos sofrer mais uns bons anos. 
Quando os mercados começarem a despertar e as taxas de juro voltarem, no mínimo, aos valores habituais antes da crise - basta os 3% da ordem nos empréstimos mais longos - quero ver onde o Governo deste país vai buscar dinheiro para pagar os juros dos duzentos e muitos mil milhões de dívida pública correspondentes aos centro e trinta e tal por cento do PIB que o imaculado programa de resgate gerou. Depois venham dizer que foi o outro. Depois venham dizer que os gregos, afinal, não tiveram tanta culpa assim.
Nessa altura, se ainda cá estivermos, talvez não sejamos tão benevolentes como até ao momento. Queira Deus ou o diabo - o Estado é laico mas as pessoas podem não ser - que nessa altura essa corja tenha o destino do tal conde que galgou a varanda em 1640.

Bocaslusas



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