sábado, 25 de abril de 2015

Boca n.º 15: Eleições à Presidência da República e Raspadinhas


As eleições para a Presidência da República têm vindo a alimentar os noticiários das últimas semanas tantos são os candidatos a candidatos. 
Santana Lopes já deu a entender que só não vai lá se não puder e aproveitou para dizer que Paulo Portas era capaz de ser candidato. Este respondeu célere que não estava para aí virado. António Guterres afirmou que não era candidato a candidato porque tinha coisas mais interessantes a fazer lá fora ou coisa que o valha. Sampaio da Nóvoa disse qualquer coisa do género que não era preciso ser-se político para estar na política. De Carvalho da Silva ouve falar-se a espaços. António Vitorino, Jaime Gama e Maria de Belém pelos vistos deram nega, mas nunca se sabe. Rui Rio também está na berlinda. Marcelo Rebelo de Sousa diz que ainda é cedo. Aqui e além fala-se de Paulo Morais. Em suma, uma salsada. Candidato mesmo candidato entre as figuras públicas só Henrique Neto, que, honra lhe seja feita, foi o único que já anunciou formalmente a sua candidatura.
A forma como os candidatos a candidatos têm sido apresentados faz-me lembrar as raspadinhas. Compra-se um cartão por dia, raspa-se e lá se revela mais um personagem para acrescentar ao imenso rol dos já conhecidos mas sem sair nada que se veja. Depois, amachuca-se o cartão, deposita-se no contentor do lixo e espera-se pelo amanhã na esperança de sair algo que valha a pena. Qual a figura que a próxima raspadinha vai revelar? Não interessa. Queremos lá saber se o próximo candidato a candidato a Presidente da República vai ser A, B ou C se, pelos vistos, nem eles próprios sabem se querem ou não ser Presidente da República.
Quando se pergunta aos miúdos da escola primária o que é que querem ser quando forem adultos, uns respondem que querem ser isto, outros que querem ser aquilo e uns quantos (não sei o que é que eles têm na cabeça) respondem que querem ser Presidente da República. Portanto, os miúdos da escola têm ideias bem definidas e sabem o que querem ser com a antecedência mínima de três décadas, uma vez que só são elegíveis os cidadãos portugueses com mais de 35 anos, mas os nossos políticos com possibilidades de virem a ser Presidente da República não sabem o querem a escassos meses das eleições. Pelos vistos só o saberão quando alguém lhes disser se devem ou não ser candidatos a Presidente da Republica o que vai acontecer somente no dia imediato às eleições legislativas. Portanto, no day after tenham o papel higiénico à mão porque vão ser confrontados com uma diarreia de candidatos a Presidente da República sem vontade própria.
Se perguntássemos aos pretensos candidatos se no dia X estariam interessados em passar uns dias de férias nas Maldivas o que é que eles respondiam? Respondiam em coro: “vamos lá que se faz tarde. Se não houver tempo arranja-se porque oportunidades destas só acontecem uma vez na vida”. Por aqui se vê a conta em que é tida a Presidência da República. Quando se trata de ir para o Índico ninguém se faz rogado, mas quando se trata de ir para Belém as respostas são evasivas: não sei, vamos ver, talvez, estou a pensar, não confirmo, ainda é cedo, bla, bla, bla. É assim como quando vamos a casa de alguém e não gostamos da comida. Tudo serve para não levarmos o garfo à boca: estou a fazer dieta, já lanchei tarde, vou-me deitar cedo, a última vez que comi isto fez-me mal, etc, etc, etc.
Afinal, se eles não têm vontade nenhuma em ser Presidente da República por que carga de água havemos nós de nos esforçar minimamente para ir votar neles, especialmente quando as eleições se realizarão no inverno e quiçá num dia de vento e chuva? Quem estiver no seu perfeito juízo não vai deixar de estar com os amigos, ao quentinho e com a mesa bem composta, para se meter à estrada por causa de gente desprovida de vontade própria. Aliás, deviam agradecer-nos por não contribuirmos para a desgraça deles porque se o cargo é tão pouco atractivo como parece ser é uma bênção não ser eleito.
Seria mais fácil se fosse assim: quem não tinha nada a ver com o assunto, como nós, continuava em redor do tinto e do salpicão e as vocações de última ora que fossem às urnas votar neles próprios. Empatavam todos com um voto, é verdade, mas o resultado das eleições traduziria na perfeição aquilo que eles são na verdade: uns «empatas». Depois, que se entendessem entre eles.
Por tudo isto a lei eleitoral devia ser alterada. As candidaturas deviam poder ser apresentadas até à véspera das eleições de forma a permitir que estes senhores tivessem mais algum tempo de reflexão. Melhor, com os meios informáticos que existem hoje em dia, as candidaturas deviam poder ser apresentadas até à hora de abertura das mesas de voto, permitindo mais uma noite de sono sobre o assunto. É que uma decisão destas não se toma da noite para o dia: alguém que está bem e se dispõe a pôr-se mal em prol do país deve ter de todo o tempo do mundo para pensar.
Mais, a futura primeira-dama devia obrigatoriamente ser ouvida sobre o assunto porque a função é uma grande maçada e ninguém deve ser condenado a tal degredo. Um sorriso aqui, um aperto de mão ali, uma beijoca acolá, mas sempre ligeiramente atrás do marido como manda o protocolo e, pior, sem qualquer vencimento. Por isso, em certa medida compreendemos a angústia e hesitação dos maridos: primeiro têm de ultrapassar a dúvida existencial de eles próprios descobrirem se querem ou não ser Presidente da República; depois ainda têm pela frente a espinhosa missão de convencer a esposa a ser primeira-dama. Por pouco tempo, diga-se, porque isto da primeira-dama é coisa para acabar a prazo. Não há-de vir longe o dia em que, em vez da primeira-dama, vamos ter um valete ou um rei de paus.
Mas, afinal, tanto burburinho para quê? Basicamente para nada. O Presidente da República não pode fazer rigorosamente nada para alterar o estado das coisas. Enquanto chefe supremo da tropa não risca nada. Enquanto responsável pela nomeação dos representantes da república nas regiões autónomas mais valia estar quieto porque estes nem aquecem nem arrefecem. No que concerne ao poder de vetar as leis até dá que rir porque mal se descuida estas são-lhe devolvidas precisamente no mesmo estado e tem de as engolir em seco. Resta a chamada bomba atómica. 
Mas ainda que o Presidente da Republica pudesse dissolver a Assembleia da Republica a seu bel-prazer, convocar eleições e nomear governos todos os meses, tudo permaneceria na mesma porque mudam as pessoas mas continuam as políticas. Por outras palavras tanto faz estarem lá as rosas como as laranjas que o fado é o mesmo. Esta é a verdade nua e crua e os candidatos sabem muito bem disso. No fundo o papel do Presidente da República não é muito diferente do papel da primeira-dama só que remunerado. Hino nacional - de manhã, à tarde e à noite; discursos – uns atrás dos outros; portos de honra - mais que muitos; jornalistas - aos magotes; mas decisões daquelas que alteram a vida das pessoas - nada. É verdade que o Presidente da República não aumenta os impostos nem corta salários, o que até nem é mau, mas também não tem competência para mandar construir escolas nem hospitais e isso é que dá pica a quem ainda tem sangue na veia. Interessa lá que o Presidente da República possa fazer caridade, indultando alguns presos pelo natal.
Por tudo isto, e com esta nos ficamos, para que os candidatos não tivessem medo de avançar com o peito às balas, à semelhança do que acontece com um trabalhador normal, o Presidente da Republica devia ter direito a um período experimental, coisa aí de seis meses. Se as funções não correspondessem às suas expectativas tinha o direito de bater com a porta sem ter de dar satisfações a ninguém; mas do mesmo modo se o eleitorado não gostasse do seu desempenho tinha o direito de o por a mexer num estalar de dedos. Se o candidato mais votado não servisse avançava o segundo candidato mais votado e assim sucessivamente, sem necessidade de novas eleições. Era simples, barato, eficaz e dava para alguns anos tal o número de candidatos que se perfilam.
Um sistema deste tipo, como é evidente, implica a revisão da Constituição. Mas não há nada que não se faça desde que o povo queira. Aliás, deviam fazer-se quatro ou cinco revisões da Constituição de uma vez só, ficando uma versão em vigor e as demais de reserva. Quando uma já não servisse avançava a outra e assim sucessivamente. Isto é que era um país como deve ser. Candidatos com fartura. Presidentes com fartura. Constituições com fartura. Não acham?


 Bocaslusas

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