Boca n.º 11: Eleições, sondagens e abóbora porqueira
A polémica dos esquecimentos do PM em matéria fiscal e da
Segurança Social que dominaram a semana transacta deixaram para segundo plano
aqueloutras declarações em que manifestou a intenção de se bater pela maioria
nas próximas eleições e que foram vistas pela maior parte dos analistas como o
toque oficial da abertura da campanha eleitoral.
A notícia foi recebida por este modesto escriba no bulício de uma
tainada na tasca do Sr. Aquino, para os amigos “Filósofo”, algures numa pequena
aldeia nas fraldas da serra mais alta deste país e, diga-se, o atrevimento do
nosso PM não caiu lá grande coisa entre os confrades da abóbora porqueira.
- Para quem disse estar a lixar-se para as eleições a fasquia
inicial não está má – disse o filósofo na sua pose característica de lápis na
orelha e pano de limpeza no ombro esquerdo. - Imaginem que em vez de dizer que
estava a lixar-se para as eleições tinha dito que as queria ganhar. Neste
momento estaria, no mínimo, a dizer que não se contentava com menos do que a
unanimidade dos eleitores.
A tirada do Filósofo deu que pensar aos comensais que por aquela
altura ainda não sentiam os efeitos do bom tintol.
- Pois – replicou a medo o único conviva que usava gravata no
grupo e que por sinal ainda não nos tinha sido apresentado – se quando proferiu
aquela expressão da lixadela não quis dizer exactamente isso, significa que, do
mesmo modo, quando disse que queria obter a maioria também não quis
dizer precisamente isso.
- Então o que é que quis dizer o homem quando falou em maioria?
Perguntou o Tonho com cara de quem não estava a pescar nada da charada.
– Na minha perspectiva –
continuou o «Gravatas» - quando disse que se estava a lixar para as eleições
estava a ser sincero mas pecou por defeito: mais do que a lixar-se estava a
borrifar-se, estava a marimbar-se, estava a c…g…se para as eleições autárquicas.
Queria lá ele saber se os dinossauros municipais se extinguiam ou não. Assim como quando disse querer a maioria estava igualmente a ser
autêntico mas aquém das suas reais pretensões: mais do que uma simples maioria
queria uma maioria absoluta nas eleições legislativas, quiçá maioria
qualificada e, por que não, uma rotunda vitória à boa maneira da Coreia do
Norte.
A explicação do gravatas não elucidou minimamente o Tonho mas
bastou a breve e dissimulada alusão aos intestinos do governante para quebrar o
gelo em relação à pessoa do novo conviva.
- Sr. Dr. qual é a sua graça?
- António. Respondeu o Gravatas.
- E pá, mais um Tonho – disse o cromo ao mesmo tempo que batia
efusivamente nos ombros do convidado. – Está visto que o Filósofo encontrou um
adversário à altura. - Pois bem – prosseguiu - aposto quanto quiser que o povo
fala, fala, mas no final vai lá por o preto no branco e o homem fica lá outra
vez.
Sabendo que o Tonho não tinha onde cair morto e que com aquele
gesto irreflectido era bem capaz de estar a empenhar todo o seu património, o Filósofo
puxou de um pedaço de papel almaço, sentou-se entre os convivas e, virando-se
para o Tonho, começou a escrevinhar.
- E pá já está a fazer as contas e ainda a refeição vai a meio?
Perguntou o Tonho.
- Cala-te e ouve antes de ficares mais depenado do que um frango
de aviário. Respondeu o Filósofo procurando garantir os seus créditos.
De seguida, puxando pelo seu saber de experiência feito em décadas de contas de somar mais do que
de subtrair, e de multiplicar mais do que dividir, num ápice e sem direito a
contradita, demonstrou quem iria ganhar as próximas eleições. Os cálculos eram
muito simples.
- Dizem para aí que este país tem cerca de dez milhões de almas. Destes,
li há poucos dias num jornal, há aproximadamente um milhão e duzentos e
cinquenta mil crianças e jovens sem direito a voto. Segundo foi dito aquando
das últimas eleições há outros tantos eleitores fantasmas, ou seja, eleitores
que constam nos cadernos eleitorais mas que, na maior parte, já bateram a
caçoleta ou deram ao slide. Portanto
sobram sete milhões e meio de potenciais eleitores. Ora, se o dia das eleições
for solarengo e se se mantiver a percentagem dos portugueses que mandam a
votação à fava, serão cerca de 40% a fazê-lo, o que, assim por alto, dá tanto
como quatro vezes cinco vinte, e vão dois, quatro vezes sete vinte e oito com
mais dois trinta. Está feito, há perto de três milhões de portugueses que se c
g m no assunto. Se aos sete milhões e meio retirarmos estes três milhões
concluímos que a coisa vai ser decidida por quatro milhões e meio de
portugueses.
- Troca lá isso por miúdos – disse o Tonho ao mesmo tempo que
procurava acompanhar os cálculos com os dedos da mão esquerda.
- Se o Passos tiver dois
milhões duzentos e cinquenta mil e um votos – continuou o filósofo levando as
mãos ao abdómen com satisfação – a vitória está no papo; - se o Passos tiver
dois milhões duzentos e quarenta e nove mil novecentos e noventa e nove –
prosseguiu levando a mão ao pescoço em jeito de quem vai ser degolado – já era.
Este segundo gesto menos efusivo denunciou as cores do Filósofo
mas ninguém o censurou por isso.
- Se o país tem
aproximadamente seiscentos mil funcionários públicos – prosseguiu o filósofo -
e a maioria é casado e quase nenhum deles tem especiais motivos para votar no
Passos, temos logo aqui, contas redondas, entre um milhão e um milhão e
duzentos mil que votam no Tonho da Câmara de Lisboa. Se tivermos em
consideração que o país tem, no mínimo, um milhão de reformados e que, por
alto, metade é casada e não pode ver o Passos pela frente, é mais um milhão a
milhão e meio de cruzinhas na lista do Tonho. Resumindo, a lista do Tonho chega
na boa aos dois milhões duzentos e cinquenta mil o que obriga os adeptos do
Passos a comparecer em massa e a preencher o quadradinho como deve ser para não
se estragar nenhum voto.
- Então tu estás a dizer-nos que a coisa vai dar um empate.
Replicou o Tonho ao mesmo tempo que levou a mão direita à careca confuso com a
quantidade de Tonhos que a conversa metia.
- Empate não –
intrometeu-se o Gravatas. – A coisa é capaz de dar um empate, prolongamento e
segundo jogo.
- Vocês estão a esquecer-se de um pormenor – retomou o Filósofo. –
É preciso contar com os tais eleitores fantasmas. São os mortos e afins que vão
decidir as eleições.
A deixa do Filósofo foi a altura certa para o Tretas, inimigo
visceral do Passos e possuidor de um refinado sentido de humor, tomar conta da
situação.
- A coisa promete. Vai ser lindo ver o Passos e respectivos
emplastros fazer comícios por esses cemitérios fora a apelar ao voto. Já os
estou a ver nos Prazeres, no Lumiar ou no Alto de São João a contactar o coveiro e perguntar: “oiça lá! não há por aí nenhum defunto ainda em estado de
ir votar? Vá lá. Nós tratamos do assunto: se ainda estiverem apresentáveis a
gente leva-os logo na abertura das mesas de voto para não lhes causar grande
transtorno ou então criamos cabines de voto prioritárias; se já estiverem
acabadotes talvez o melhor seja votarem por correspondência.
- E pá estás a esquecer-te que na capital a malta é quase toda
cremada. Lembrou o Gravatas com muita oportunidade.
- Pois, mas…. bem, um PPD à antiga tem a obrigação de deixar bem
vincado no seu testamento que o seu voto, se estivesse vivo, ia para o Passos.
- Olha lá, ó Tretas, quantas pessoas aqui na terra morreram e
deixaram testamento feito? Questionou o Filósofo ciente de que para esta o
Tretas não tinha resposta.
- Não é preciso. Respondeu o Tretas de imediato. - Um homem para
manifestar a sua vontade não precisa de fazer um testamento. Para que não haja
dúvidas sobre a sua preferência partidária basta deixar uma lápide sob a sua
campa com a inscrição “se estivesse vivo votava no Passos”. Olha, digo-te mais.
Nem é preciso inscrição nenhuma. Basta pedir à família para colocar uma placazita de mármore cor de laranja da zona de Vila Viçosa em cima da tumba e toda a gente fica
a saber qual seria o seu voto se estivesse vivo. O Filósofo vai ter direito a
uma destas.
Depois de um acesso de tosse inesperada o filósofo rematou a
conversa com um rabisco da esquerda para a direita como se fosse atestar a correcção dos cálculos com a prova
dos nove.
- Acabámos de fazer a
sondagem mais certeira que pode haver relativamente às próximas eleições. O
Passos só lá fica se os fantasmas vierem todos à terra votar nele, mas o
problema é que alguns deles não devem ter morrido muito satisfeitos com o seu
governo. Com os que morreram nas urgências não pode contar. Com os que morreram
à espera dos medicamentos também não. Com os que morreram tísicos de tanta
fomeca também não.
Com um valente murro na mesa o Tonho interrompeu as conclusões do Filósofo e tomou as rédeas da discussão.
- Se fosse para ver o Filósofo fazer contas não punha cá os pés
porque há anos que não o vejo fazer outra coisa. - Vamos mas é à abóbora e ao presunto.
Ao mesmo tempo que amassava o papel almaço e o lançava à lareira
nas barbas do Filósofo, levantou-se a muito esforço, ergueu o copo ao alto e
com os olhos semicerrados, mas solenemente, disse a prestações:
– Eu….. Tonho da Cabreira……, na qualidade de membro fundador da
confraria da abóbora porqueira…….. declaro o Costa eleito e………. assunto
arrumado.
Bocaslusas
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