sexta-feira, 13 de março de 2015


Boca n.º 11: Eleições, sondagens e abóbora porqueira


A polémica dos esquecimentos do PM em matéria fiscal e da Segurança Social que dominaram a semana transacta deixaram para segundo plano aqueloutras declarações em que manifestou a intenção de se bater pela maioria nas próximas eleições e que foram vistas pela maior parte dos analistas como o toque oficial da abertura da campanha eleitoral.
A notícia foi recebida por este modesto escriba no bulício de uma tainada na tasca do Sr. Aquino, para os amigos “Filósofo”, algures numa pequena aldeia nas fraldas da serra mais alta deste país e, diga-se, o atrevimento do nosso PM não caiu lá grande coisa entre os confrades da abóbora porqueira.
- Para quem disse estar a lixar-se para as eleições a fasquia inicial não está má – disse o filósofo na sua pose característica de lápis na orelha e pano de limpeza no ombro esquerdo. - Imaginem que em vez de dizer que estava a lixar-se para as eleições tinha dito que as queria ganhar. Neste momento estaria, no mínimo, a dizer que não se contentava com menos do que a unanimidade dos eleitores.
A tirada do Filósofo deu que pensar aos comensais que por aquela altura ainda não sentiam os efeitos do bom tintol.
- Pois – replicou a medo o único conviva que usava gravata no grupo e que por sinal ainda não nos tinha sido apresentado – se quando proferiu aquela expressão da lixadela não quis dizer exactamente isso, significa que, do mesmo modo, quando disse que queria obter a maioria também não quis dizer precisamente isso.
- Então o que é que quis dizer o homem quando falou em maioria? Perguntou o Tonho com cara de quem não estava a pescar nada da charada.
 – Na minha perspectiva – continuou o «Gravatas» - quando disse que se estava a lixar para as eleições estava a ser sincero mas pecou por defeito: mais do que a lixar-se estava a borrifar-se, estava a marimbar-se, estava a c…g…se para as eleições autárquicas. Queria lá ele saber se os dinossauros municipais se extinguiam ou não. Assim como quando disse querer a maioria estava igualmente a ser autêntico mas aquém das suas reais pretensões: mais do que uma simples maioria queria uma maioria absoluta nas eleições legislativas, quiçá maioria qualificada e, por que não, uma rotunda vitória à boa maneira da Coreia do Norte.
A explicação do gravatas não elucidou minimamente o Tonho mas bastou a breve e dissimulada alusão aos intestinos do governante para quebrar o gelo em relação à pessoa do novo conviva.
- Sr. Dr. qual é a sua graça?
- António. Respondeu o Gravatas.
- E pá, mais um Tonho – disse o cromo ao mesmo tempo que batia efusivamente nos ombros do convidado. – Está visto que o Filósofo encontrou um adversário à altura. - Pois bem – prosseguiu - aposto quanto quiser que o povo fala, fala, mas no final vai lá por o preto no branco e o homem fica lá outra vez.
Sabendo que o Tonho não tinha onde cair morto e que com aquele gesto irreflectido era bem capaz de estar a empenhar todo o seu património, o Filósofo puxou de um pedaço de papel almaço, sentou-se entre os convivas e, virando-se para o Tonho, começou a escrevinhar.
- E pá já está a fazer as contas e ainda a refeição vai a meio? Perguntou o Tonho.
- Cala-te e ouve antes de ficares mais depenado do que um frango de aviário. Respondeu o Filósofo procurando garantir os seus créditos.
De seguida, puxando pelo seu saber de experiência feito em décadas de contas de somar mais do que de subtrair, e de multiplicar mais do que dividir, num ápice e sem direito a contradita, demonstrou quem iria ganhar as próximas eleições. Os cálculos eram muito simples.
- Dizem para aí que este país tem cerca de dez milhões de almas. Destes, li há poucos dias num jornal, há aproximadamente um milhão e duzentos e cinquenta mil crianças e jovens sem direito a voto. Segundo foi dito aquando das últimas eleições há outros tantos eleitores fantasmas, ou seja, eleitores que constam nos cadernos eleitorais mas que, na maior parte, já bateram a caçoleta ou deram ao slide. Portanto sobram sete milhões e meio de potenciais eleitores. Ora, se o dia das eleições for solarengo e se se mantiver a percentagem dos portugueses que mandam a votação à fava, serão cerca de 40% a fazê-lo, o que, assim por alto, dá tanto como quatro vezes cinco vinte, e vão dois, quatro vezes sete vinte e oito com mais dois trinta. Está feito, há perto de três milhões de portugueses que se c g m no assunto. Se aos sete milhões e meio retirarmos estes três milhões concluímos que a coisa vai ser decidida por quatro milhões e meio de portugueses.
- Troca lá isso por miúdos – disse o Tonho ao mesmo tempo que procurava acompanhar os cálculos com os dedos da mão esquerda.
 - Se o Passos tiver dois milhões duzentos e cinquenta mil e um votos – continuou o filósofo levando as mãos ao abdómen com satisfação – a vitória está no papo; - se o Passos tiver dois milhões duzentos e quarenta e nove mil novecentos e noventa e nove – prosseguiu levando a mão ao pescoço em jeito de quem vai ser degolado – já era.
Este segundo gesto menos efusivo denunciou as cores do Filósofo mas ninguém o censurou por isso.
 - Se o país tem aproximadamente seiscentos mil funcionários públicos – prosseguiu o filósofo - e a maioria é casado e quase nenhum deles tem especiais motivos para votar no Passos, temos logo aqui, contas redondas, entre um milhão e um milhão e duzentos mil que votam no Tonho da Câmara de Lisboa. Se tivermos em consideração que o país tem, no mínimo, um milhão de reformados e que, por alto, metade é casada e não pode ver o Passos pela frente, é mais um milhão a milhão e meio de cruzinhas na lista do Tonho. Resumindo, a lista do Tonho chega na boa aos dois milhões duzentos e cinquenta mil o que obriga os adeptos do Passos a comparecer em massa e a preencher o quadradinho como deve ser para não se estragar nenhum voto.
- Então tu estás a dizer-nos que a coisa vai dar um empate. Replicou o Tonho ao mesmo tempo que levou a mão direita à careca confuso com a quantidade de Tonhos que a conversa metia.
 - Empate não – intrometeu-se o Gravatas. – A coisa é capaz de dar um empate, prolongamento e segundo jogo.
- Vocês estão a esquecer-se de um pormenor – retomou o Filósofo. – É preciso contar com os tais eleitores fantasmas. São os mortos e afins que vão decidir as eleições.
A deixa do Filósofo foi a altura certa para o Tretas, inimigo visceral do Passos e possuidor de um refinado sentido de humor, tomar conta da situação.
- A coisa promete. Vai ser lindo ver o Passos e respectivos emplastros fazer comícios por esses cemitérios fora a apelar ao voto. Já os estou a ver nos Prazeres, no Lumiar ou no Alto de São João a contactar o coveiro e perguntar: “oiça lá! não há por aí nenhum defunto ainda em estado de ir votar? Vá lá. Nós tratamos do assunto: se ainda estiverem apresentáveis a gente leva-os logo na abertura das mesas de voto para não lhes causar grande transtorno ou então criamos cabines de voto prioritárias; se já estiverem acabadotes talvez o melhor seja votarem por correspondência.
- E pá estás a esquecer-te que na capital a malta é quase toda cremada. Lembrou o Gravatas com muita oportunidade.
- Pois, mas…. bem, um PPD à antiga tem a obrigação de deixar bem vincado no seu testamento que o seu voto, se estivesse vivo, ia para o Passos.
- Olha lá, ó Tretas, quantas pessoas aqui na terra morreram e deixaram testamento feito? Questionou o Filósofo ciente de que para esta o Tretas não tinha resposta.
- Não é preciso. Respondeu o Tretas de imediato. - Um homem para manifestar a sua vontade não precisa de fazer um testamento. Para que não haja dúvidas sobre a sua preferência partidária basta deixar uma lápide sob a sua campa com a inscrição “se estivesse vivo votava no Passos”. Olha, digo-te mais. Nem é preciso inscrição nenhuma. Basta pedir à família para colocar uma placazita de mármore cor de laranja da zona de Vila Viçosa em cima da tumba e toda a gente fica a saber qual seria o seu voto se estivesse vivo. O Filósofo vai ter direito a uma destas.
Depois de um acesso de tosse inesperada o filósofo rematou a conversa com um rabisco da esquerda para a direita como se fosse atestar a correcção dos cálculos com a prova dos nove.
 - Acabámos de fazer a sondagem mais certeira que pode haver relativamente às próximas eleições. O Passos só lá fica se os fantasmas vierem todos à terra votar nele, mas o problema é que alguns deles não devem ter morrido muito satisfeitos com o seu governo. Com os que morreram nas urgências não pode contar. Com os que morreram à espera dos medicamentos também não. Com os que morreram tísicos de tanta fomeca também não.
Com um valente murro na mesa o Tonho interrompeu as conclusões do Filósofo e tomou as rédeas da discussão.
- Se fosse para ver o Filósofo fazer contas não punha cá os pés porque há anos que não o vejo fazer outra coisa. - Vamos mas é à abóbora e ao presunto.
Ao mesmo tempo que amassava o papel almaço e o lançava à lareira nas barbas do Filósofo, levantou-se a muito esforço, ergueu o copo ao alto e com os olhos semicerrados, mas solenemente, disse a prestações:
– Eu….. Tonho da Cabreira……, na qualidade de membro fundador da confraria da abóbora porqueira…….. declaro o Costa eleito e………. assunto arrumado. 

  
Bocaslusas

0 comentários :

Enviar um comentário