Boca n.º 13: Mulheres e Ferraris
Uma
vez que a semana que ora finda foi muito balofa em questões políticas dignas de registo, com exclusão do "cofre cheio" da Maria Luís, decidimos escrever algumas linhas acerca de um tema bem mais «sério e interessante»: o
casamento, as mulheres e a analogia que no imaginário masculino existe com o negócio dos carros .
Que macho não verte baba e ranho perante uma daquelas mulheres de fazer
parar o trânsito? Quem é que não sente inveja daqueles minorcas acabadotes mas cheios da pasta, coisa aí para sessenta e poucos anos, que se pavoneiam de mãos
dadas com mulheres com idade para serem netas deles? Há uns anos atrás estava
eu no Casino de Vilamoura acompanhado de alguns amigos quando nos deparamos com
um destes postais: ele, mais para ir do que para vir, corcunda e com pouco mais
do que um metro e cinquenta; ela, viçosa, com tudo no sítio e seguramente mais
trinta centímetros do que ele. Desfilava o casal pelo bar contíguo à sala das
máquinas quando alguém dos presentes, em alta voz e tom irónico atirou:
-
Deves ser muito lindo, deves.
A
risada foi geral mas não fez a mossa pretendida no destinatário. Pelo contrário
o feliz sexagenário limitou-se a esboçar um leve sorriso, cresceu quatro ou
cinco centímetros e, de peito inchado, continuou o seu desfile triunfal
deixando os presentes com uma profunda dor de cotovelo.
Perante
a reacção do visado o ambiente amainou por instantes. “Que Porsche! Que
Lamborgini! Que Ferrari!” Pensei eu e seguramente os restantes. “Não me
importava nada de dar umas voltitas naquela montada, mas não tenho sorte
nenhuma.” Mais uma vez pensei eu e de certeza acompanhados por todos os outros.
É
aqui que começa o imbróglio. Será que os contemplados com estes bólides alguma vez
se questionaram sobre o motivo por que no meio de tantos candidatos a sorte
grande havia de bater precisamente à sua porta. Sim, porque algo está mal
quando um maquinão daqueles é conduzido por um indivíduo que nem carta de
condução tem.
A
verdade é que esta questão não é muito debatida quando se escolhe com quem dar
umas voltas por aí ou com quem percorrer todos os trilhos da nossa existência. Quer se queira quer não,
tal qual como quando se vai comprar um carro ao stand, as linhas exteriores, a pintura metalizada ou as jantes de
liga leve por vezes falam mais alto do que a própria aptidão mecânica.
Quando
vamos buscar o pópó ao stand –
entenda-se a noiva a casa do sogro – não pensamos nestes assuntos. O que
queremos verdadeiramente é acelerar na máquina especialmente se não
o tivermos feito como deve ser antes. Quanto ao resto logo se vê.
Por
vezes ainda o carro está supostamente no período de garantia e já os
problemas são mais que muitos. Uma fuga de óleo ali, um ponto de ferrugem
acolá, enfim tudo coisas miúdas mas que não era suposto aparecerem numa viatura
que se não era nova nos foi impingida como tal. Bora daí, vamos ao «stand» reclamar enquanto é tempo.
Como
se já estivessem à nossa espera ainda não dissemos ao que vamos e já temos as
respostas que não queríamos ouvir.
- Então
o senhor queria um Ferrari novo ao preço de saldo? Atira o sogro promovido a vendedor
em tom de quem dali não vamos levar nada. - O senhor sabia que este modelo
apesar de ter umas linhas modernas e bem apelativas já tinha uns anitos. Não
leu o contrato de compra e venda? Então não leu aquelas letras minúsculas em baixo?
O sogro tinha toda a razão porque na verdade
só tínhamos passados os olhos de relance pelo contrato e na ânsia de deitarmos
mãos ao Ferrari não prestámos a mínima atenção às tais exclusões previstas no
rodapé. Estava lá, preto no branco, que a garantia só era válida até à saída do
stand. A partir daí o comprador tinha
de suportar todas as avarias mecânicas, problemas na pintura, quebra de vidros,
tudo, tudo, inclusive a eventualidade de o carro afinal poder ser uma
carrinha.
- O
senhor meu genro – prosseguiu – andou uma série de tempo a frequentar o meu stand. Na altura eu tinha cá mais dois
carrinhos impecáveis: um Fiat seiscentos novinho em folha e uma Ford Trânsito
também zero quilómetros. O Fiat seiscentos acabou por
ser quase dado a um rapazito que ainda hoje anda com ele sem nunca ter posto os
pés na oficina. Esse V. Ex.ª não quis porque era pequenino e não causava boa
impressão. A Ford Transit é um carro de trabalho e está farta de ganhar
dinheiro ao dono. Essa também não lhe servia porque era muito grande e não dava
para passear na cidade. Pois olhe, era espaçosa, é certo, mas nunca deu nega e
trabalhou sempre de sol a sol até hoje. O que é que o senhor esperava. Então eu
tinha um Ferrari para despachar. Com boa apresentação, é um facto, mas já com
setecentos mil quilómetros e farto de dançar o fandango. Muita sorte teve o
senhor. Se fosse outro não lhe dava sequer o conserto que lhe dei na suspensão
(que estava uma lástima) e na panela de escape (que já não tinha por onde se
lhe pegasse). Está bem. Admito. Tirei-lhe quinhentos mil quilómetros mas isso
todo o dono de stand faz. Além do
mais ninguém impediu o senhor meu genro de fazer os test drive que bem entendesse para ver se a coisa funcionava bem ou
não? Quer dizer, o senhor veio buscar um Ferrari ao preço da chuva, fez um
vistão durante este tempo todo e agora vem-me com a treta da ferrugem e fugas
de óleo.
De
nada adiantava lembrar a conversa do vendedor antes do negócio ter sido
fechado: que já não se fabricavam máquinas assim, que andava muito, que consumia
pouco, que não precisava de manutenção, que tanto andava em estrada como fora
dela, na cidade, no campo, no país como no estrangeiro, de dia e de noite, etc.
A persiana começava a cair e com ela a sensação de que tinha levado um
grandessíssimo barrete. Agora
começava a perceber a razão de tantas mordomias. Se bem me lembro, na altura
despachou-me o Ferrari por um preço de amigos e ainda me ofereceu uns tapetes
novos, umas capas para os bancos dianteiros, mil litros de gasolina, uma viagem
a Paris, eu sei lá. Agora à distância de alguns anos e bem vistas as coisas dou
comigo a pensar: se eu não me tivesse mostrado tão interessado tinha-me dado o
carro de borla ou se calhar ainda me tinha pago para ficar com ele. De qualquer
forma arrisquei uma pergunta.
-
Está bem, o senhor tem razão nalgumas coisas, mas é de lamentar que duas semanas
depois de levar o carro ele já não pegava de maneira nenhuma: nem com a chave e
nem de empurrão. O que é que me diz a isto?
O
«garagista» impávido e sereno respondeu de imediato como se já estivesse à
espera da pergunta.
-
Estes carros não estão habituados a pegar de empurrão. Ou o senhor sabe usar a
chave no sítio que é devido ou nada feito. E, sem que pudesse responder-lhe o
que quer que fosse, prosseguiu: - Digo-lhe mais meu caro. Se não quiser ter
problemas com a máquina tem de ter algum cuidado com ela. Desde logo nunca a
deixe ser conduzida pelos amigos porque cada um conduz à sua maneira. Se o
senhor cair na esparrela de a deixar ser conduzida por outros fique certo que
nunca mais ela anda como deve ser na sua mão. Cada vez que pegar nela vai andar aos
solavancos como se não quisesse nada consigo. Olhe, custa-me dizer-lhe isto
acerca de uma máquina que saiu deste stand,
mas se isso acontecer, perca o que perder, meta-a à troca e compre outra. Isto
se alguém lhe der um chavo por ela. Mas há-de aparecer sempre um tolo como você
que se agrade da pintura vermelha e das jantes de liga leve sem prestar atenção
à ferrugem, às fugas e sobretudo ao consumo do motor que é uma desgraça.
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