sábado, 28 de março de 2015


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Boca n.º 13: Mulheres e Ferraris


Uma vez que a semana que ora finda foi muito balofa em questões políticas dignas de registo, com exclusão do "cofre cheio" da Maria Luís,  decidimos escrever algumas linhas acerca de um tema bem mais «sério e interessante»: o casamento, as mulheres e a analogia que no imaginário masculino existe com o negócio dos carros .
Que macho não verte baba e ranho perante uma daquelas mulheres de fazer parar o trânsito? Quem é que não sente inveja daqueles minorcas acabadotes mas cheios da pasta, coisa aí para sessenta e poucos anos, que se pavoneiam de mãos dadas com mulheres com idade para serem netas deles? Há uns anos atrás estava eu no Casino de Vilamoura acompanhado de alguns amigos quando nos deparamos com um destes postais: ele, mais para ir do que para vir, corcunda e com pouco mais do que um metro e cinquenta; ela, viçosa, com tudo no sítio e seguramente mais trinta centímetros do que ele. Desfilava o casal pelo bar contíguo à sala das máquinas quando alguém dos presentes, em alta voz e tom irónico atirou:
- Deves ser muito lindo, deves.
A risada foi geral mas não fez a mossa pretendida no destinatário. Pelo contrário o feliz sexagenário limitou-se a esboçar um leve sorriso, cresceu quatro ou cinco centímetros e, de peito inchado, continuou o seu desfile triunfal deixando os presentes com uma profunda dor de cotovelo.
Perante a reacção do visado o ambiente amainou por instantes. “Que Porsche! Que Lamborgini! Que Ferrari!” Pensei eu e seguramente os restantes. “Não me importava nada de dar umas voltitas naquela montada, mas não tenho sorte nenhuma.” Mais uma vez pensei eu e de certeza acompanhados por todos os outros.
É aqui que começa o imbróglio. Será que os contemplados com estes bólides alguma vez se questionaram sobre o motivo por que no meio de tantos candidatos a sorte grande havia de bater precisamente à sua porta. Sim, porque algo está mal quando um maquinão daqueles é conduzido por um indivíduo que nem carta de condução tem.
A verdade é que esta questão não é muito debatida quando se escolhe com quem dar umas voltas por aí ou com quem percorrer todos os trilhos da nossa existência. Quer se queira quer não, tal qual como quando se vai comprar um carro ao stand, as linhas exteriores, a pintura metalizada ou as jantes de liga leve por vezes falam mais alto do que a própria aptidão mecânica.
Quando vamos buscar o pópó ao stand – entenda-se a noiva a casa do sogro – não pensamos nestes assuntos. O que queremos verdadeiramente é acelerar na máquina especialmente se não o tivermos feito como deve ser antes. Quanto ao resto logo se vê.
Por vezes ainda o carro está supostamente no período de garantia e já os problemas são mais que muitos. Uma fuga de óleo ali, um ponto de ferrugem acolá, enfim tudo coisas miúdas mas que não era suposto aparecerem numa viatura que se não era nova nos foi impingida como tal. Bora daí, vamos ao «stand» reclamar enquanto é tempo.
Como se já estivessem à nossa espera ainda não dissemos ao que vamos e já temos as respostas que não queríamos ouvir.
- Então o senhor queria um Ferrari novo ao preço de saldo? Atira o sogro promovido a vendedor em tom de quem dali não vamos levar nada. - O senhor sabia que este modelo apesar de ter umas linhas modernas e bem apelativas já tinha uns anitos. Não leu o contrato de compra e venda? Então não leu aquelas letras minúsculas em baixo?
 O sogro tinha toda a razão porque na verdade só tínhamos passados os olhos de relance pelo contrato e na ânsia de deitarmos mãos ao Ferrari não prestámos a mínima atenção às tais exclusões previstas no rodapé. Estava lá, preto no branco, que a garantia só era válida até à saída do stand. A partir daí o comprador tinha de suportar todas as avarias mecânicas, problemas na pintura, quebra de vidros, tudo, tudo, inclusive a eventualidade de o carro afinal poder ser uma carrinha.  
- O senhor meu genro – prosseguiu – andou uma série de tempo a frequentar o meu stand. Na altura eu tinha cá mais dois carrinhos impecáveis: um Fiat seiscentos novinho em folha e uma Ford Trânsito também zero quilómetros. O Fiat seiscentos acabou por ser quase dado a um rapazito que ainda hoje anda com ele sem nunca ter posto os pés na oficina. Esse V. Ex.ª não quis porque era pequenino e não causava boa impressão. A Ford Transit é um carro de trabalho e está farta de ganhar dinheiro ao dono. Essa também não lhe servia porque era muito grande e não dava para passear na cidade. Pois olhe, era espaçosa, é certo, mas nunca deu nega e trabalhou sempre de sol a sol até hoje. O que é que o senhor esperava. Então eu tinha um Ferrari para despachar. Com boa apresentação, é um facto, mas já com setecentos mil quilómetros e farto de dançar o fandango. Muita sorte teve o senhor. Se fosse outro não lhe dava sequer o conserto que lhe dei na suspensão (que estava uma lástima) e na panela de escape (que já não tinha por onde se lhe pegasse). Está bem. Admito. Tirei-lhe quinhentos mil quilómetros mas isso todo o dono de stand faz. Além do mais ninguém impediu o senhor meu genro de fazer os test drive que bem entendesse para ver se a coisa funcionava bem ou não? Quer dizer, o senhor veio buscar um Ferrari ao preço da chuva, fez um vistão durante este tempo todo e agora vem-me com a treta da ferrugem e fugas de óleo.
De nada adiantava lembrar a conversa do vendedor antes do negócio ter sido fechado: que já não se fabricavam máquinas assim, que andava muito, que consumia pouco, que não precisava de manutenção, que tanto andava em estrada como fora dela, na cidade, no campo, no país como no estrangeiro, de dia e de noite, etc. A persiana começava a cair e com ela a sensação de que tinha levado um grandessíssimo barrete. Agora começava a perceber a razão de tantas mordomias. Se bem me lembro, na altura despachou-me o Ferrari por um preço de amigos e ainda me ofereceu uns tapetes novos, umas capas para os bancos dianteiros, mil litros de gasolina, uma viagem a Paris, eu sei lá. Agora à distância de alguns anos e bem vistas as coisas dou comigo a pensar: se eu não me tivesse mostrado tão interessado tinha-me dado o carro de borla ou se calhar ainda me tinha pago para ficar com ele. De qualquer forma arrisquei uma pergunta.
- Está bem, o senhor tem razão nalgumas coisas, mas é de lamentar que duas semanas depois de levar o carro ele já não pegava de maneira nenhuma: nem com a chave e nem de empurrão. O que é que me diz a isto?
O «garagista» impávido e sereno respondeu de imediato como se já estivesse à espera da pergunta.
- Estes carros não estão habituados a pegar de empurrão. Ou o senhor sabe usar a chave no sítio que é devido ou nada feito. E, sem que pudesse responder-lhe o que quer que fosse, prosseguiu: - Digo-lhe mais meu caro. Se não quiser ter problemas com a máquina tem de ter algum cuidado com ela. Desde logo nunca a deixe ser conduzida pelos amigos porque cada um conduz à sua maneira. Se o senhor cair na esparrela de a deixar ser conduzida por outros fique certo que nunca mais ela anda como deve ser na sua mão. Cada vez que pegar nela vai andar aos solavancos como se não quisesse nada consigo. Olhe, custa-me dizer-lhe isto acerca de uma máquina que saiu deste stand, mas se isso acontecer, perca o que perder, meta-a à troca e compre outra. Isto se alguém lhe der um chavo por ela. Mas há-de aparecer sempre um tolo como você que se agrade da pintura vermelha e das jantes de liga leve sem prestar atenção à ferrugem, às fugas e sobretudo ao consumo do motor que é uma desgraça.

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