sábado, 28 de fevereiro de 2015


Boca n.º 9: O enriquecimento ilícito

Muito por força das notícias vindas a lume nos últimos dias acerca da existência de algumas centenas de contas milionárias de cidadãos portugueses em bancos suíços, a semana ora finda ficou marcada pela repristinação de algumas iniciativas legislativas tendentes a criminalizar o enriquecimento ilícito.
Para o Zé Povinho os sortalhudos titulares destas contas são, no mínimo, uns grandessíssimos ladrões e para a gentalha deste calibre só há um remédio à boa maneira iraniana: mãozinha em cima do cepo e zás. Doravante se quiserem coçar o traseiro vão ter de o roçar na parede como fazem os cachorros infestados com lombrigas.
Para a classe política a questão é mais complexa uma vez que mexer nestas matérias implica por vezes cuspir no prato de quem já lhes matou a fome. Por isso, em regra, preferem resolver o problema com regimes extraordinários para regularização de dívidas fiscais e compreendem-se as razões: hoje precisam uns amanhã precisam outros e uma mão lava a outra.
Quando o povo uiva mais alto ou as eleições se aproximam, os tais projectos bolorentos voltam a ver a luz do dia de forma estridente e lá volta mais uma vez a treta da inversão do ónus da prova à baila. Como para grandes males grandes remédios, nada melhor do que dizer ao suposto ladrão que, se não quiser ser chamado de ladrão e ser tratado como tal, trate de demonstrar que não é ladrão. “Quem não deve não teme”, soa bem e o povo aplaude.
Infelizmente o problema não é tão linear. Depois de alguém ser rotulado de ladrão na praça pública não basta provar que afinal não é ladrão para deixar de o ser aos olhos do povo. É que - e isto só alguém que tenha sofrido este tormento na primeira pessoa pode dizer - quando o Zé Povinho se convence de que alguém é mesmo ladrão é difícil convence-lo do contrário, ainda que a pessoa seja cumpridora, quiçá a pessoa mais cumpridora que se conhece para não dizer a pessoa mais cumpridora do mundo. Na consciência do Zé, do Joaquim e da Alzira onde há fumo há fogo e se não roubou nesta roubou noutras.
Durante o período da inquisição nenhum herege era morto na fogueira sem antes lhe ter sido dada a oportunidade de ser submetido a um julgamento «justo». O inquisidor acusava o cidadão de heresia e o pretenso herege só tinha de provar o contrário – coisa pouca. Como é que o inquisidor obtinha a prova da heresia? Era fácil: Era herege quem efectivamente era herege, era herege quem parecia ser herege, era herege quem poderia vir a ser herege, era herege quem alguma vez tinha pensado em ser herege, etc. O herege competia infirmar o teor do auto de fé provando inequivocamente a sua fé preferencialmente através de um millagre durante a sessão de julgamento no tribunal eclesiástico. Assim não só provava que era um bom cristão como inclusive provava que era santo. Se não conseguisse um milagre teria de se esforçar bastante para provar que era temente a Deus pois caso contrário ia inevitavelmente parar à fogueira. A mesma fogueira que agora se pretende reintroduzir.
Suponhamos então que alguém tem um soma avultada ou património expressivo incompatível com as suas aparentes fontes de rendimento. Em linguagem para toda a gente entender o Ministério Público diz:
- O Sr. tem depositado x milhares de euros no banco y e, que se saiba, não faz a ponta de um corno na sua vida. Como o Sr. anda sempre de costas ao alto não é possível ter tanto dinheiro de forma lícita e, assim sendo, é um criminoso a não ser que me prove o contrário, ou;
- O Sr. tem um apartamento dúplex nas Amoreiras, um Ferrari entre outros veículos de luxo estacionados na garagem e um iate na marina de cascais, mas pelas nossas contas o senhor só devia ter um T1 no Cacém, um Renault cinco em terceira mão e uma canoa insuflável. Assim sendo, pensamos que cometeu um crime porque todos os outros nas suas circunstâncias à muito que estão a viver do rendimento social de reinserção. Portanto, recai sobre o senhor o ónus de nos convencer que estamos errados.
Perante isto o cidadão encolhe os ombros e oscila entre duas alternativas com o mesmo resultado: se falar enterra-se e se não falar enterra-se ainda mais. 
Até o Chico da Tasca percebe à primeira que o silêncio nestas circunstâncias funciona como admissão de culpa, ou seja, se o desgraçado tiver a felicidade de ter uma massas mas tiver o azar de ser mudo está pura e simplesmente f……ido, a não ser que, como no tempo da inquisição, aconteça o milagre de a língua se desenrolar em plena sala de audiência. Em suma, o ladrãozeco de furtos menores pode calar-se e continuar a ladroar mas o ladrãozorro de colarinho branco na óptica do Ministério Público tem de desbobinar tudo se não quiser ficar a queimar em lume brando até à fogueira final.
Até o Chico da Tasca compreende também que num sistema deste tipo o Ministério Público é o dono da razão e nunca tem dúvidas (onde é que já ouvi isto), ou seja, não precisa de fazer patavina para encostar o suposto criminoso à parede. Não precisa de fazer exames, buscas, revistas e apreensões, não precisa de inquirir testemunhas, não precisa de fazer praticamente nada. Basta-lhe tão e somente acordar calmamente pela manhã, tomar o pequeno-almoço, chegar ao tribunal, ligar o computador, observar um extracto bancário, clicar, ir à impressora, trazer o documento, chegar junto do pseudo-ladrãozorro preso na véspera e sem direito a banho, apontar o dedo e dizer em voz áspera: tu enriqueceste à pala. Prova-me que é mentira.
À primeira vista o povo não vê perigos nisto desde que esteja em causa um político dos tais, mas talvez deixe de pensar assim quando verificar que, afinal, sob o mesmo princípio vão começar a ser presos, de véspera e antevéspera, cidadãos pouco mais que remediados, e, quem sabe, qualquer um de nós. E porquê? É simples. Se a medida é tão eficaz como se propala vai acabar com o regabofe num instante porque em Portugal não existem fortunas colossais a pontapé. Como é evidente, a partir do momento em que já não houver sardinha ou carapau do maior, começar-se-a a pescar petingas e joaquinzinhos por que tão ilícito é o enriquecimento de quem já ganha muito mas apresenta muito mais do que aquilo que ganha como é ilícito o enriquecimento de quem não ganha rigorosamente nada mas apresenta qualquer coisita. Em tempos de míngua como os que correm este pensamento é muito perigoso uma vez que tudo o que seja algo mais do que a mera indigência pode ser visto como enriquecimento ilícito.
Verificamos então que o silêncio forçado do mudo leva-o à prisão preventiva onde permanece a expiar até que se lembre de onde caiu cada cêntimo, cada talher de prata ou cada gadget de última geração detectado na sua posse. Coisa bonita. Então um indivíduo tem de provar de onde veio o que amealhou e o local mais indicado para o fazer é num calabouço húmido, escuro e sem qualquer forma de comunicação com o exterior ou estão a pensar conceder o direito de o preso aceder a telefone, Internet, fax, impressoras etc., para justificar o seu pecúlio. Claro que não. O arguido se quiser que puxe pela memória que tempo não lhe vai faltar.
- Então o senhor já se lembrou de onde veio o castiçal de prata que está na sala de jantar? E o quadro do Bordalo Pinheiro que está no Hall? Já agora não se recorda de onde vieram as garrafinhas do “Bacalhoa” que tem na cave?
É precisamente isto que vai acontecer a não ser que seja permitida a permanência do criminoso em liberdade até se lembrar de onde choveram as coisas. Se assim for, parece-me que os locais mais indicados para revigorar a memória são, entre outros, os brancos areais de Acapulco ou da Riviera Maya, mas não estou a ver o ladrãozorro regressar a Portugal em classe executiva para dizer:
- Hum…. Já sei de onde vieram os castiçais, mas as garrafitas do Bacalhoa não. Após o que regressa às águas cálidas das Caraíbas na esperança de alvitrar de onde diabo caíram as garrafitas do excelente tintol.
Dito isto, o mais certo é que o exercício de meditação seja feito no xadrez que é o melhor sítio para por as ideias em ordem, isto enquanto o Ministério Público bebe uns cafés para espantar o tédio. Sim porque o inquérito passará a ser uma pasmaceira já que nenhuma investigação há a fazer, ou melhor, se alguma investigação há a fazer é por parte do arguido para se inocentar. O silêncio sepulcral reinante no submundo apenas vai ser interrompido por breves instantes a cada três meses na altura em que o carcereiro desce às catacumbas e sorumbaticamente pergunta ao mudo:
- Já te lembras de alguma coisa? Não? Então volto daqui a três meses e pode ser que já digas alguma coisa, após o que bate o ferrolho com um lacónico Tchau.
Pois bem, alguma vez se pensou que há situações em que a pessoa infelizmente prefere começar a assar em lume brando durante meses ou anos em prisão preventiva e depois acabar na fogueira em vez de dar com a língua nos dentes. E nem sequer têm de estar em jogo fortunas astronómicas senão vejamos. Não é comum uma senhora relativamente jovem, sem especiais qualificações académicas e sem qualquer actividade profissional conhecida construir um património com alguma dimensão. O inquisidor mor lança-lhe a farpa:
- A Sr.ª tem depositado duzentos mil euros no banco X, só veste de Givenchy para cima e passa a vida a coçar a micose.
Pois bem, a afirmação encerra duas verdades e uma meia-verdade: a sr.ª de facto é titular de uma conta choruda, a sr.ª veste bem, mas a srª não coça a micose no sentido que o inquisidor lhe quis dar, pelo contrário.
A verdade é que a senhora em face dos seus excelentes atributos físicos optou por rentabilizá-los da forma que melhor entendeu, enveredando por uma profissão imoral mas excelentemente remunerada (não tenho nada contra). Pergunta-se. Então esta senhora é obrigada a por a nu toda a sua privada para justificar de onde lhe vieram os euros que ganhou? Tratando-se de uma profissional conceituada e bem frequentada até seria interessante saber quem foram os seus clientes ao longo dos anos, mas esta curiosidade não nos pode desviar do essencial. Nunca foi, não é nem deve ser ela a justificar de onde lhe veio o dinheiro mas sim quem a acusa. Aliás, ninguém tem nada que saber se o dinheiro lhe veio de 10, 100, 1000 clientes ou de apenas um porque perante tamanhos atributos não se pode excluir a hipótese de alguém com muitas posses se deixar enredar pelos seus encantos e a premiar principescamente. Quem dá é livre de dar e quem recebe é livre de receber. Quem achar que isto é crime só tem de o provar se for competente o suficiente. Mas parece-nos que não.
A inversão do ónus da prova não é mais do que o reconhecimento de uma polícia gorda, com varizes e sem capacidade de correr atrás dos criminosos. No fundo não é mais do que a generalização da imagem do sargento obeso da GNR alargada a outros corpos especialmente encarregados de perseguir este tipo de criminalidade. Recomendamos dieta e jogging a essa gente e, por favor, senhores políticos deixem lá ficar o ónus da prova onde sempre esteve.


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015


Boca n.º 8: Claques de futebol

Não obstante Portugal ainda aparecer relativamente mal posicionado em alguns indicadores utilizados para medir os diversos índices de desenvolvimento humano e económico pelas principais organizações internacionais, é inequívoco que nalguns sectores acompanhamos, para não dizer superamos, o que de mais avançado existe a nível europeu e mundial: estou a falar das claques de futebol a propósito do episódio em que alguns elementos do Chelsea não permitiram a entrada de um passageiro negro no metro de Paris.
Então o que é que distingue as nossas claques das claques dos outros países?
Desde logo o rigorosíssimo processo de recrutamento e selecção. Em Portugal os membros das claques não são oriundos das ruelas e becos sombrios onde a marginalidade dita lei como é comum por essa Europa fora. Entre nós os membros das claques são essencialmente trabalhadores honestos com uma grande paixão pelos seus clubes e que têm em comum o facto de, depois de uma semana de labor, ainda terem coragem para correr o país de lés a lés e puxar até mais não pela sua equipa do peito.
Mas o sucesso das nossas claques também se deve em muito à rigorosa bateria de testes a que são submetidos os seus membros e que incluem provas físicas, médicas e psicotécnicas, a que se segue um intenso curso de formação nas respectivas academias ultimado por um período probatório durante o qual o aspirante a membro de claque não pode cometer o mais leve deslize. Se o fizer é imediatamente censurado em público pelo respectivo presidente e banido dos estádios para todo o sempre. São estes pormenores, meus senhores, que fazem naturalmente despontar os membros das nossas claques quando em confronto com os seus congéneres.
Os resultados de tão exigente formação estão à vista: nunca um membro de uma claque portuguesa se foi abaixo das canetas nas longas caminhadas até aos estádios de futebol – as provas físicas servem para alguma coisa; nunca o coração de um membro de uma claque portuguesa deu o badagaio apesar da maior parte dos jogos serem impróprios para cardíacos – ora aí está o resultado dos exames médicos, e; nunca um membro de uma claque portuguesa teve comportamentos inadequados no estádio ou fora dele – os testes psicotécnicos servem para alguma coisa.
As claques portuguesas não são meros depósitos de massa-bruta cuja única função é enxovalhar as equipas adversárias, incluindo a arbitragem, como é regra de Vilar Formoso para lá. Cá não vinga o lema: “se a nossa equipa é uma bosta não interessa desde que consigamos transformar a equipa adversária numa bosta ainda maior”. Entre nós, felizmente, os membros das claques são quase sempre sócios dos clubes com lugar cativo e quotas em dia, conhecem a história do clube e respeitam as suas referências históricas. As claques portuguesas não se bastam com o conhecimento das cinco vogais e outras tantas consoantes indispensáveis à composição de meia dúzia de impropérios. Cá respeitam-se os oponentes independentemente do facto de virem da Argélia, Espanha, Camarões, Costa Rica ou do cu de judas, mesmo com provas irrefutáveis de adultério materno. Cá não se fazem distinções entre brancos e negros, entre calvos e cabeludos, entre gordos e magros, etc. Quando muito diz-se carinhosamente e sem qualquer sentido pejorativo, entre outros, “ó black acende a luz”; “ó careca olha o penteado”, “ó fininho vê lá se comes”, mas sem ofender ostensivamente as respectivas progenitoras.
Quando as nossas claques são colocadas a uma distância razoável do relvado não é por causa do mal que eventualmente possam causar aos intervenientes no espectáculo, muito pelo contrário. O que se pretende, isso sim, é proteger as claques da pouca habilidade de alguns executantes que, jogo após jogo época após época, teimam em apontar na cabeça dos espectadores em vez de acertar na baliza adversária. Tivessem os nossos jogadores mais certeza nos pés e poderíamos ter as claques junto à linha lateral como na Inglaterra.
E já que se tornou necessário instalar as famosas caixas de segurança para proteger as claques das aselhices dos jogadores, acho muito bem (inclusive é sinal de inteligência), que os ditos dispositivos possam servir para mais alguma coisa. Por isso, se tiverem a malha tão apertada que permita evitar a passagem de moscas e mosquitos portadores de doenças tanto melhor porque jogos há muitos mas vida há só uma. E se eventualmente não for possível ver os jogos através da rede também não se perde grande coisa atento o nível da maior parte deles. Nesse caso recomendamos o relato pela rádio que garante espectáculo independentemente do que se passa dentro das quatro linhas.
Mais vale prevenir do que remediar diz o povo e com razão. Por isso é necessária extrema cautela ao admitir adeptos desenquadrados nos estádios sem terem feito qualquer teste físico, médico e psicotécnico como é exigido aos membros das claques. É que nos momentos de maior tensão estes indivíduos impreparados não aguentam a pressão e desatam ao murro e pontapé nos inocentes membros das claques. O futebol transfigura as pessoas a ponto de os pais de família exemplares, os avós extremosos, as donas de casas dedicadas e mesmo os adolescentes impúberes se tornarem autênticos cães raivosos pelo que é preciso proteger as claques destes indivíduos. Se for preciso resguarda-los numa caixa de segurança que assim seja.
E quando as claques fazem paragens para abastecimento nas lojas de conveniência das áreas de serviço de norte a sul do país! Alguma vez na Alemanha, Bélgica ou Albânia se vê o civismo que existe em Portugal? Não. Naqueles países as claques em regra entram pela loja adentro e tudo o que seja latas de cerveja, sandes e equiparados marcham pela porta do cavalo. Alguma vez, como cá, os membros das claques pagam até as pastilhas elásticas? Nunca, e tenho provas disso: já vi uma claque inteira entrar na loja de conveniência da área de serviço da Mealhada e esperar pacientemente por mais de meia hora em bicha pirilau até que o funcionário a pudesse atender.
Mas o nosso sistema também é quase perfeito porque atende às necessidades das claques e das polícias. Como as polícias não podem ir lá fora dar umas valentes bastonadas nos hooligans a fim de adquirirem a prática necessária para os enfrentar quando vêm ao nosso país provocar desacatos, treinam com o que têm mais à mão, ou seja, treinam no lombo e nas canelas das claques lusas embora estas sejam pacíficas. Nenhum aspirante a polícia se torna num verdadeiro polícia se vacilar no teste da bordoada.
E como os cursos de formação das claques nacionais incluem obrigatoriamente um teste de resistência com carácter eliminatório que consiste precisamente em levar umas valentes cacetadas da bófia, é ouro sobre azul. A claque beneficia do serviço sem ter de pagar nada por ele, permitindo de igual modo perpetuar a máxima de que nenhum pretendente a claquista se torna num verdadeiro claquista se não passar no teste do cacete.
Por estas e por outras garanto piamente que um episódio como o do metro de Paris jamais ocorreria com as nossas claques. Ponho as mãos no lume por elas.
F………..das. Devia estar calado.

Bocaslusas

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Boca n.º 7: Sacos de plástico, direitos fundamentais e símbolos nacionais


Esta semana ficou marcada por um acontecimento que pode fazer estremecer a nossa democracia e que infelizmente passou ao lado dos noticiários: estou a falar da taxação do uso dos sacos de plástico nos supermercados introduzida pelo Ministro JMS e com efeitos a partir do dia 15. Como é possível um direito que nasceu praticamente com o 25 de Abril, que resistiu a vários governos e revisões constitucionais e que é um marco do nosso progresso económico e social, ser abolido assim da noite para o dia. Havia algum direito adquirido mais adquirido que o direito aos sacos de plásticos nos hipermercados? Não me parece. O direito ao saco de plástico era um direito inalienável do consumidor. O consumidor tinha direito a ele simplesmente pelo facto de comprar uma caixa de palitos, dois quilos de alho-porro ou um litro de tintol, como tem direito à vida só pelo facto de estar vivo. Além de constitucionalmente e legalmente duvidosa a medida é profundamente imoral porque deixa a nú os piores instintos deste e de outros governos: primeiro deixam o povo tornar-se saco-plástico-dependente e no fim de estar completamente viciado fá-lo pagar os ditos sacos com língua de palmo. 
E agora? Bem, agora, no mínimo, os consumidores deviam exigir que os produtos viessem já ensacados tais como o arroz, o papel higiénico ou a comida para os cães. E os vendedores nem sequer faziam nada de mais porque por ora apenas eles vão beneficiar com a medida: enquanto anteriormente a funcionária da caixa metia uma couve-galega no saco agora regista dez carcaças e não sei quantos quilos de carapau no mesmo tempo. Portanto, os Santos e os Azevedos é que vão lucrar no imediato: enquanto anteriormente aviavam um agora aviam cinco; e se o pilim não cai cinco vezes mais, cai seguramente cinco vezes mais rápido.
Como era de esperar os desgraçados do costume é que vão pagar as favas. Já os estou a ver por esses hipermercados fora a semear latas de sardinha, sabonetes e caixas de preservativos só para não darem mais uns míseros cobres por meia dúzia de sacos de plástico. Nos parques de estacionamento ao ar livre em dias de temporal vai ser de partir o caco a rir vê-los fazer o transbordo das batatas e salsichas de Frankfurt, enquanto os outros esperam impacientes pelo lugar de estacionamento que nunca mais vaga. Que belo postal. E quando a sogra enjoar no banco traseiro durante a viagem de regresso a casa não vai haver saquinhos à mão: se quiser que vomite borda fora que é assim que os marujos fazem no mar alto. E quando o Carlitos começar a feder também não vai haver saquitos para guardar a fralda: ou vai para o bolso do casaco ou para o guarda luvas, mas preparem-se que o ambiente vai ficar um bocado pesado dentro do carro, especialmente com o aquecimento ligado. 
E para onde vai a caquinha do bóbí quando ele evacua no passeio? Resposta: Fica lá se nenhum transeunte o levar para casa agarradinho à sola dos sapatos. Então os portugas não pagam dez cêntimos pelos sacos necessários para guardar aquilo que comem e acham que vão dar outro tanto ou mais pelos sacos necessários para guardar aquilo que o cão c….ga. Ná.
E aquela imagem dos contentores do lixo com capacidade para cem mas que os portugueses em sinal da sua imensa sabedoria conseguiam adaptar para duzentos. Alguma vez alcançavam tamanhos padrões de eficiência e sentido estético sem o sistema padronizado de sacos de lixo made in hipermercado? Nunca. Sem eles não seria possível alcançar os dois metros quanto mais os três metros de altura. Sem eles aquelas pirâmides dignas de um faraó seriam apenas um simples amontoado de lixo como se houvesse greve de recolha todos os dias.
Por este andar estamos em vias de perder até uma das espécies de maior sucesso dos nossos ribeiros, rios e albufeiras, e que tanto grandes planos têm dado a muitos fotógrafos premiados e não só. Sim, estou a falar daquelas anémonas de água doce que flutuam graciosamente à superfície das águas ao sabor das correntes. Estamos sujeitos a nunca mais poder contemplar este espectáculo sublime que só encontra paralelo nas águas super-conspurcadas dos canais de Veneza. Se nos retirarem as anémonas que façam o serviço completo e acabem também com as garrafas de litro e meio a flutuar.
Mas há mais. Então e quando as mulheres tiverem de por as trouxas dos maridos à porta como vai ser? Com os sacos do intermarché e do lidl já não se podia contar porque a gente sabe que os franceses e os alemães não têm sensibilidade nenhuma, mas os portugueses! Não se esperava uma coisa destas do continente. É uma falta de consideração tremenda para os coirões, adúlteros e equiparados nacionais. Não sei o que vai ser deles. Mas por outro lado é-lhes bem feito. À primeira ainda se compreendia que não estivessem preparados para uma acção de despejo repentina, mas à segunda já deviam estar precavidos com os tais sacos de cinquenta cêntimos que só se compram uma vez e dão para sempre.
Mas se os Soares e os Azevedos se ficam a rir por enquanto, mais tarde vão ver que o negócio lhes vai sair furado. Como é que de futuro vão fazer publicidade das suas casas comerciais na Espanha, na França, em Andorra, na Alemanha, na Suíça, no Brasil, nos Estados Unidos, na Venezuela, no Canadá e tudo o que é cantinho por esse mundo fora onde há portugueses? Não vão. O graveto que ganham com os sacos de cinquenta cêntimos não dá para dez segundos de publicidade por semana numa televisão por cabo de quinta categoria em qualquer destes países. Como é que o governo pensava que os americanos, alemães, franceses, etc., conheciam o continente, o pingo-doce e o supermercado da tia Maria Martinho a ponto de, quando nos visitam, estes estabelecimentos serem locais de passagem obrigatória quando muitas vezes não põem os pés nos Jerónimos, em Fátima ou em Alvalade? Não era dos filmes. Conhecem aquelas marcas por verem os portugueses passar ano após ano com os ditos sacos nas mãos em gares, portos e aeroportos por esse mundo fora. Sim porque era também nesses sacos que os nossos conterrâneos na Diáspora levavam o bom salpicão de Chaves ou queijo da Serra da Estrela para comer e dar a provar aos seus vizinhos. Pois, se não pensaram nisso que tivessem pensado. Agora o Governo que diga à AICEP para pagar a publicidade no estrangeiro a essas empresas e que indemnize os produtores de fumeiro transmontano e os pastores de Manteigas, Seia e Celorico da Beira. Não estou a ver que os queijos e os salpicões de futuro passem a ser transportadas em malas Louis Vuitton.
Que mais acontecerá aos símbolos deste país. Com este Governo e ao ritmo que as velhas com bigode sentadas à soleira da porta estão a ir deste para o outro mundo, no espaço de meia dúzia de anos não haverá mais nada que nos distinga dos outros. E quando assim for o que virão os turistas cá fazer?

Post scriptum. 
Por causa de uma infecção ocular na Sexta-feira à tarde fui a uma farmácia em Coimbra aviar uma receita. Feita a conta e paga a despesa através de multibanco foi-me colocada a mercadoria em cima do balcão, a qual consistia numa pequena embalagem de gotas oftalmológicas e numa bisnaga minúscula de pomada em gel. Depois disto a sr.ª farmacêutica virou costas e ausentou-se. Passados instantes regressou e como eu ainda estava no mesmo local perguntou-me se faltava algum medicamento. Eu, que permaneci no local de forma quase reflexa, respondi-lhe que pensava que a sr.ª farmacêutica se tinha ausentado para ir buscar o saquito para colocar os medicamentos ao que ela me respondeu que agora os sacos tinham que ser pagos. Veio-me um acesso de riso que demorou vários segundos e como a farmácia estava quase cheia de clientes tive de sair para me acalmar. Passado uns instantes entrei novamente na farmácia e, ainda com as lágrimas nos olhos, perguntei à tal farmacêutica.  
- Desculpe minha senhora, mas como tenho os bolsos rotos vou mesmo ter de adquirir o dito «sacalhão». Quanto custa afinal?
- Dez cêntimos. Respondeu a funcionária com o saco minúsculo na mão e esforçando-se para conter o riso.
- E pá!!! Isso é especulação - respondi eu - felizmente vocês não vendem aqui presuntos.
Foi a risada geral e tive mesmo de trazer o medicamento debaixo do barrete porque não me aceitaram novamente o multibanco para pagar a despesa.



segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Resultado de imagem para triagem manchester


Boca n.º 6: A febre das triagens


Nos últimos dias tem sido de mais. A propósito das mortes ocorridas nas urgências, os responsáveis em desespero de causa começaram a levantar a hipótese de combater o fenómeno com a introdução de uma nova ferramenta: a retriagem.
Boa. Assim é que é. Se uma não chega então façam-se duas. Na verdade serão quatro, senão vejamos: a primeira faz-se quando decidimos ir ou não ir ao médico - é a proto-triagem; a segunda acontece quando ligamos para a linha de saúde 24 – é a pré-triagem; a terceira é a triagem feita no hospital – é a triagem propriamente dita, e ; a quarta triagem que é aquela que agora pretendem introduzir – a famosa retriagem que não é mais do que um atestado de incompetência aos enfermeiros que fazem a triagem.
Não sei por que motivo não se chamam os «bois» pelos nomes: para mim uma retriagem é uma quadriagem.
É caso para dizer que quando chega o momento da consulta o doente tem o direito de ser atendido pelo melhor dos médicos. Sim por que se o doente representa a elite dos doentes não desmentida pela quadriagem, não se compreende que seja atendido por um médico ainda com muitas provas para dar.  
Prosseguindo, depois de separados os doentes é atribuído uma pulseira de cor a cada um  de acordo com o sistema de Manchester baseado na gravidade relativa da situação do doente e correspondente tempo de atendimento: azulinho, verdinho, amarelinho, laranjinha e vermelhão. Assim por alto o vermelho é atribuído ao doente que está «vai-não-vai» e como tal é atendido de imediato; o laranja é atribuído ao doente que «está- para- ir» mas pode esperar que o médico vá fazer uma mijinha rápida, e; o azul é atribuído ao doente que «não-está-para-ir» e, assim sendo, recebe uma senha para o almoço e outra para o jantar porque a coisa vai demorar (se não recebe devia receber) 
Eu sou tuga não sou nenhum Robin dos Bosques de Manchester ou sei lá o quê. Por isso reivindico a introdução de outras cores. Antes de mais uma pulseira de cor branca para os hipocondríacos (esperam pela consulta enquanto falam de doenças entre si); depois uma pulseira arco-íris para os indefinidos (esperam pela consulta enquanto se decidem se estão na menopausa ou na andropausa) e uma pulseira de cor preta para os que morrem nas urgências (esperam pela consulta caladinhos mas também têm o direito de não ser incomodados). Seria bom para o morto e seria bom para o vivo porque começa a ser chato o doente da pulseira azul meter conversa de circunstância ao doente da pulseira laranja sem obter resposta nenhuma:
- Olha lá pá, és mudo ou és parvo?
Silêncio.
- Estás a ouvir ou também és surdo?
Silêncio.
Depois de uma cotovelada para o doente da pulseira laranja acordar, mais uma e mais outra, este acaba por cair no solo rijo que nem um carapau. Estava morto há horas. Então não valia mais estar identificado com uma pulseira preta? Claro que sim. No mínimo evitava dar entrada na consulta cheio de nódoas negras de tanta cotovelada levar.
Bocaslusas

domingo, 15 de fevereiro de 2015




Boca n-º 5: O bocas elevado a partido político


Tenho andado a amadurecer uma ideia que consiste em transformar este modesto blog ainda em fase embrionária num partido político: o PDB, ou seja, partido dos bocas ou das bocas, como queiram.
'O bocas", em princípio, será um partido plural e não seguirá uma ideologia política definida. Acolherá todos os indivíduos que gostam de mandar umas bocas à esquerda ao centro e à direita, ao que foi bem feito e ao que foi mal feito e ao que não feito, aos políticos do passado do presente e do futuro, isto é, aos que gostam de disparar em todas as direcções como quem põem caca na ventoinha. O único lema do partido e que constituirá simultaneamente o seu programa político será simplesmente "nós cumprimos o que prometemos". E o que é que nós prometemos? Nós prometemos mandar umas bocas: mandaremos umas bocarras quando as coisas forem mal feitas e não deixaremos de mandar umas boquitas quando as coisas forem bem feitas ou mesmo muito bem feitas porque o nosso partido não se contentará com menos do que a perfeição.
Avisamos desde já que não temos preferências para fazer coligações desde que os partidos tenham a mínima afinidade com o nosso tipo de intervenção politica. Portanto, todos aqueles que gostam de mandar uma bocas são potenciais parceiros de coligação (todos os que actualmente estão dentro e fora do parlamento) desde que, doravante, se comprometam a continuar assim, mas assumindo que em matéria de bocas o nosso partido é o mais puro, todos os outros são derivações.
No nosso partido haverá uma distribuição equitativa entre bocas sérias e bocas foleiras, entre bocas envolvendo alentejanos e alfacinhas, hetero e homossexuais, loiras e morenas, pretos e brancos, etc...Tudo será submetido a um rigoroso sistema de quotas.
Não teremos congressos. Como não somos hipócritas os nossos dirigentes serão eleitos pelo seu mérito num reality show transmitido em directo pela televisão e no qual serão eleitos os candidatos que mandarem as bocas mais acertadas. Como garante de completa transparência convidaremos para jurí alguns dos maiores desbocados e desbocadas portugueses. Serão eles, saber de experiência feito, quem decidirá qual de nós o mais competente. Como é evidente, com as receitas televisivas teremos condições de dizer que seremos o único partido com assento parlamentar a prescindir de financiamento estatal e quiçá dos próprios vencimentos

Para mim reservo apenas o papel de bocas-mor-honorário com direito a veto sobre as decisões do dito júri. Serei assim como que o guardião do partido, o garante de que os bocas que venham transferidos de outros partidos não venham desvirtuar o nosso.

Se eles PODEM (estou a referir-me ao partido aqui do lado) nós também podemos.
Vamos elevar o bocas a partido divulgando este meu e nosso programa a todos os amigos das redes sociais. O LIKE será a nossa força.
Nas próximas eleições temos de poder votar BOCAS mas para isso ele tem de ser criado.
Vamos fundar o BOCAS.
Sê um sócio fundador partilhando a mensagem.

sábado, 14 de fevereiro de 2015



Resultado de imagem para violencia domestica

Boca n.º 4: A violência doméstica na perspectiva de um chefe de família à moda antiga


Portugal já não é que era. Benditos tempos de ditadura em que um homem dava um murro na mesa e não precisava de alongar a conversa. E quando as mulheres não entendiam a mensagem vai daí e manda uns estalos a torto e a direito que a coisa entrava logo nos eixos. Batatas mal cozidas! Vai lá vai. Roupa suja para lavar no dia seguinte! Isso é que era doce. Tinham mas é de fazer muita atenção durante a refeição para que o copo do marido nunca estivesse às moscas senão! Bem, senão levavam mais do mesmo. E se não estavam bem que se pusessem dizia o meu avô a propósito do primeiro chega para lá que teve com a minha avó.
- Dei-lhe um correctivozito e disse-me logo que queria partir tudo (dividir os haveres e cada um para seu lado). E eu fiz-lhe a vontade a começar pelo pote de barro onde se guardava a água potável. Peguei nele, levantei-o à altura da cabeça e escaqueirei-o no chão. Agora escolhe a tua parte!!!
Nunca mais aquela alminha quis partir o que quer que fosse por mais abanões que levasse. Inclusive desconfio que nunca mais lhe doeu a cabeça na hora da função.
E agora? Miséria do carago: o marido dá uns calditos e está desgraçado da vida. Já os vi ir para a pildra pela ninharia de um olho negro, dois braços deslocados e uma quantas costelas partidas. Quer dizer: chega um homem a casa farto de trabalhar e já não tem o direito de fumar uma cigarrada sentadinho na poltrona e esticar os presuntos em cima da mesa sem ter de ouvir a Maria com essas tretas da igualdade. Isto as mais mansas porque se um gajo tem o azar de calhar com uma que tenha pêlo na venta ai ai, o caldo entorna-se. E não têm vergonha nenhuma. No dia seguinte em vez de taparem as partes o que é que elas fazem? Fazem pior: vestem uns farrapitos que deixam as nódoas negras bens expostas e vão por aí deitar os maridos pelas ruas da amargura. Mas da roupa suja e das outras badalhoquices não falam elas, quanto mais das desbundas sem rei nem roque que levam os maridos a trabalhar de dia e de noite.
Está visto. O desgraçado é que é o coirão. E como se não bastasse ter de levar com a filha tem de levar também com a sogra, com as cunhadas, com os filhos e com o resto da corja. Todos malham no ceguinho e um homem não pode fazer nada. Depois quando a panela rebenta já se sabe: vai tudo nas horas do c.... e um homem desgraça a vida. De seguida vem a Guarda e nem pergunta como é que foi. Mais uns tabefes haja ou não haja razão e a coisa não fica por aqui.
No tribunal com um pouquinho de sorte leva-se com uma pulseira no chispe como quem põe anilhas num pombo correio. E não acaba sem vir uma juíza ainda de cueiros meter-nos o dedo no nariz e gritar-nos aos ouvidos: 
- Prá próxima vai directamente para detrás das grades..percebeu?
Que remédio, entendemos tudo perfeitamente. Nem adianta falar: tá bem que a gente fez o gosto ao dedo na mulher, na sogra e nos reforços que entretanto foram chegando, mas elas também distribuíram fruta com fartura que nós bem sentimos, mas com isso ninguém se importa.
Dai para a frente a vida de um chefe de família é sempre a decair. Normalmente é despejado do barraco e não pode ir a lado nenhum sem se assegurar que a malvada não vai lá estar também. Vai para um.lado e a coisa apita. Vai para o outro e a coisa apita outra vez. P.... que pariu para esta vida. 
Agora começo a perceber porque é que tantos homens mudaram de equipa, alguns já quase no final da segunda parte. É que alguns «homens» são mais macios que muitas mulheres. Muitos não se importam sequer de levar umas palmadas no cagueiro. Quando muito gemem ui, ui, ui, ai, ai, ai, mas aguentam-se de cara alegre.
Aos pontos a que nós chegámos.

Bocaslusas

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015




Resultado de imagem para cannabis

Boca n.3: A liberalização das drogas leves

Continuando na senda das declarações da ministra da justiça acerca da liberalização do consumo de drogas leves perguntamos nós: e por que não? Então cada um não é livre de meter o que bem lhe apetece no corpinho. Alguém tem alguma coisa a ver se um cidadão fuma tabaco, barbas de milho ou charros. Mete alguma piada um individuo gastar dinheiro e não tirar proveito nenhum apenas porque tem de estar constantemente a espreitar por cima do ombro não vão os bófias ou os guitas meter o nariz onde não são chamados.
A mulher tem toda a razão. Cada um deve poder rir-se sozinho quando e onde bem entender sem correr o risco de pagar uma coima ou ir preso. Mais, rir sem motivo aparente não deve ser razão para que os agentes de autoridade tenham legitimidade para virar tudo do avesso à procurar das causas de tamanha boa disposição. Aliás, os próprios agentes deviam ser obrigados a submeter-se aos efeitos dessas substâncias milagrosas como forma de combater o seu habitual azedume e mau feitio. Em suma, o direito ao riso estúpido devia ser universal e constitucionalmente protegido para que não houvesse dúvidas a respeito dos seus incomensuráveis benefícios. 
A mulher têm razão sim senhor, embora extemporânea. Se tivesse concretizado a sua intenção no início da legislatura tinha-nos poupado muito sofrimento porque tínhamos enfrentado a crise de barriga vazia mas de cara alegre. Que contra-senso: escanzelados, mas contentes.
Concordo com ideia mas não subscrevo a forma como alguns crânios da praça a querem implementar. Porquê vender estas substâncias na farmácia mediante prescrição médica? Não é boa ideia. Então um homem tinha de ir à farmácia e pedir a mercadoria por entre os dentes como se fosse comprar uma resma de viagra. Se as farmácias pusessem os produtos à vista nas prateleiras, ainda vá que não vá. Usávamos um boné de pala comprida e óculos de sol e acenávamos com o dedo. Não estou a ver o portuga a dirigir-se ao botequim lá do bairro e de peito feito pedir uma saqueta de erva ou uma bisnaga de chamon. Na. Na. O português é mais de ficar para o fim da fila e balbuciar de mansinho quanto baste: meio pintor de haxixe. E o farmacêutico responder: só temos em xarope mas faz a mesma vez.
Depois, se a coisa começasse a meter médicos e farmácias ia descambar na pouca-vergonha do costume. Já estou a ver o filme: o médico prescrevia o produto mas não autorizava a substituição por genérico. A farmácia substituía o genérico e comprava uma guerra com o médico. E o governo ia ficar quietinho? Isso é que era bom. Não acredito que resistisse a meter o bedelho: consentia a venda mas proibia as prendas, as ofertas ou os simples brindes. E as amostras? Ai. Ai. Amostras nem velas não fossem os médicos fazer concorrência desleal aos antigos traficantes agora subitamente transformados em empresários da saúde. E como é que os delegados da propaganda aditiva montavam o estaminé e vendiam a banha da cobra nos hospitais e centros de saúde? Havia de ser lindo assistir a essas negociatas.
Farmácias e médicos não. Bom, mesmo bom era permitir a venda dos ditos produtos nos supermercados, assim como se vendem os chás ou produtos homeopáticos. E se fossem vendidos em estabelecimentos do género daqueles onde se vendem as gomas, melhor ainda. A gente só teria de pegar na saqueta e na tenaz e vai daí: 50 gramas de cannabis, 10 gramas de liamba, 4/5 cogumelos alucinogénios e depois era só dirigir-se à caixa, pagar e andar sem ter de passar cavaco a ninguém. Mas há um senão. Estes estabelecimentos estão vocacionadas para o comércio a retalho mas não tem capacidade para fornecer os grandes eventos. Um tipo que organiza uma festa de arromba não pode andar a comprar à peça: não compensa. Para estes casos o sistema tinha de prever uma rede mais organizada com revendedores, armazenistas e importadores. Consoante as necessidades um indivíduo só tinha de chegar, encostar o furgão ao cais e carregava as paletes que bem entendia. Onde está o mal? Se um indivíduo é convidado para um almoço mal será se tiver de levar a comida de casa. De igual modo, se é convidado para uma festa de arromba não vai levar a brocazita no bolso porque supostamente compete ao anfitrião ter a mesa farta que é como quem diz ter droga à descrição para toda a gente. E para que isso seja possível tem necessariamente de haver empresas capazes de garantir o catering.

Venha a liberalização das drogas leves. Sou a favor. Das drogas leves, das drogas duras, das drogas semi-leves, das drogas semi-duras, das drogas levíssimas, das drogas duríssimas, de tudo. Sou a favor de tudo até cair de cu. Sim porque com a liberalização do consumo deve dar-se também a liberalização da produção e não faz sentido comprar aos outros aquilo que podemos produzir cá. Já estou a ver o Alentejo pejado de cannabis e porque não de papoilas a fazer frente às tulipas holandesas. Temo que o aeroporto de Beja não consiga dar escoamento à produção. A ideia da ministra foi o embrião para a criação de um cluster nacional que não terá paralelo na Europa e no mundo e que nos vai tirar da penúria. Que pena não ter tido esta ideia antes?

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015



Resultado de imagem para mascaras

Boca n.2:  Ministras e não ministras

A ministra da justiça afirmou esta semana ser a favor da liberalização do consumo de drogas leves e logo o primeiro-ministro se apressou a dizer que as afirmações tinham sido proferidas a título pessoal. Boa. Foi ela mas podia ter sido outra. Vivemos num país de ministros intermitentes: quando a coisa corre bem são ministros e quando dá para o torto são cidadãos comuns de tal modo que as declarações a título pessoal Já se tornaram um ícone da política nacional, o equivalente àquilo que na cerâmica representa o galo de Barcelos ou o falo das Caldas.
E como é que o povo distingue as ministras das não ministras para saber o que deve ou não levar a sério? Quais os sinais exteriores que permitem identifica-las? Pela prole que as acompanha não vamos lá porque em quaisquer circunstâncias suas excelências fazem-se escoltar de mais que muitos, desde anfitriões, guarda-costas, assessores, emplastros, profissionais do chinfrim, jornalistas a sério, jornaleiros de trazer por casa e mais não sei quantos. E pela fatiota? Por aí talvez seja mais fácil: quando usam roupa de griffe são ministras pela certa, mas quando usam modelos comprados no chinês são «não ministras». E pelo penteado? Bem, em tempos bastava olhar para a trunfa e num ápice chegava-se lá: quando usavam aquelas permanentes de r/c e primeiro andar que não tremiam nem que a vaca tossisse eram ministras, mas quando se apresentavam de cabelo lambido eram gente do povo sem qualquer dúvida.
Infelizmente nos dias que correm a roupa e o cabelo servem mais para baralhar o povo do que outra coisa tendo em conta que há muitas vendedoras na praça com mais apresentação do que algumas mulheres com responsabilidade no Governo. Sob estes critérios sujeita-mo-nos a tratar por excelência a Rosa peixeira e por tí Maria as verdadeiras ministras. Por isso tenho andado muito intrigado sobre a forma como o primeiro-ministro consegue fazer a distinção. Deve ter um sexto ou sétimo sentido. Cá para mim é pela sombra: se as madames estão a título pessoal têm sombra como qualquer humano; se estão na qualidade de ministras não têm sombra como os fantasmas.
Porra, não pode ser: mesmo o comum dos mortais à hora de almoço e à noite não tem sombra. No primeiro caso porque o sol vai a pique no segundo porque não há sol. Então nessa altura como é que o homem faz para distinguir as ministras das não ministras? 
Resposta: não distingue, mas também não é preciso. À hora de almoço come-se e durante a refeição enquanto se capa não se assobia ou seja, não se fala, e não se falando não se dizem baboseiras. Do mesmo modo à noite janta-se e durante o jantar toca o vira e dança o mesmo, isto é, enquanto se remói não se fala e, mais uma vez, estando caladas não entra mosca ou sai asneira. E depois do jantar, se suas excelências tiverem feito algo durante o dia, vão ficar com o corpo tão moidinho que, como qualquer português, vão querer ir para a caminha quanto antes para repousar o esqueleto. E na cama se quiserem dizer baboseiras que digam, se quiserem fazer baboseiras que façam, inclusive se quiserem sonhar com baboseiras que sonhem desde que pela manha só saiam de casa já com o sol alto para que o maioral, pela sombra, consiga saber quando estão a dizer baboseiras novamente e possa desvaloriza-las, dizendo que foram proferidas a título pessoal. 
Como é evidente, nesta altura já o portuguesito tem quase meio-dia de trabalho feito.

Bocaslusas