quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Boca n.º 7: Sacos de plástico, direitos fundamentais e símbolos nacionais


Esta semana ficou marcada por um acontecimento que pode fazer estremecer a nossa democracia e que infelizmente passou ao lado dos noticiários: estou a falar da taxação do uso dos sacos de plástico nos supermercados introduzida pelo Ministro JMS e com efeitos a partir do dia 15. Como é possível um direito que nasceu praticamente com o 25 de Abril, que resistiu a vários governos e revisões constitucionais e que é um marco do nosso progresso económico e social, ser abolido assim da noite para o dia. Havia algum direito adquirido mais adquirido que o direito aos sacos de plásticos nos hipermercados? Não me parece. O direito ao saco de plástico era um direito inalienável do consumidor. O consumidor tinha direito a ele simplesmente pelo facto de comprar uma caixa de palitos, dois quilos de alho-porro ou um litro de tintol, como tem direito à vida só pelo facto de estar vivo. Além de constitucionalmente e legalmente duvidosa a medida é profundamente imoral porque deixa a nú os piores instintos deste e de outros governos: primeiro deixam o povo tornar-se saco-plástico-dependente e no fim de estar completamente viciado fá-lo pagar os ditos sacos com língua de palmo. 
E agora? Bem, agora, no mínimo, os consumidores deviam exigir que os produtos viessem já ensacados tais como o arroz, o papel higiénico ou a comida para os cães. E os vendedores nem sequer faziam nada de mais porque por ora apenas eles vão beneficiar com a medida: enquanto anteriormente a funcionária da caixa metia uma couve-galega no saco agora regista dez carcaças e não sei quantos quilos de carapau no mesmo tempo. Portanto, os Santos e os Azevedos é que vão lucrar no imediato: enquanto anteriormente aviavam um agora aviam cinco; e se o pilim não cai cinco vezes mais, cai seguramente cinco vezes mais rápido.
Como era de esperar os desgraçados do costume é que vão pagar as favas. Já os estou a ver por esses hipermercados fora a semear latas de sardinha, sabonetes e caixas de preservativos só para não darem mais uns míseros cobres por meia dúzia de sacos de plástico. Nos parques de estacionamento ao ar livre em dias de temporal vai ser de partir o caco a rir vê-los fazer o transbordo das batatas e salsichas de Frankfurt, enquanto os outros esperam impacientes pelo lugar de estacionamento que nunca mais vaga. Que belo postal. E quando a sogra enjoar no banco traseiro durante a viagem de regresso a casa não vai haver saquinhos à mão: se quiser que vomite borda fora que é assim que os marujos fazem no mar alto. E quando o Carlitos começar a feder também não vai haver saquitos para guardar a fralda: ou vai para o bolso do casaco ou para o guarda luvas, mas preparem-se que o ambiente vai ficar um bocado pesado dentro do carro, especialmente com o aquecimento ligado. 
E para onde vai a caquinha do bóbí quando ele evacua no passeio? Resposta: Fica lá se nenhum transeunte o levar para casa agarradinho à sola dos sapatos. Então os portugas não pagam dez cêntimos pelos sacos necessários para guardar aquilo que comem e acham que vão dar outro tanto ou mais pelos sacos necessários para guardar aquilo que o cão c….ga. Ná.
E aquela imagem dos contentores do lixo com capacidade para cem mas que os portugueses em sinal da sua imensa sabedoria conseguiam adaptar para duzentos. Alguma vez alcançavam tamanhos padrões de eficiência e sentido estético sem o sistema padronizado de sacos de lixo made in hipermercado? Nunca. Sem eles não seria possível alcançar os dois metros quanto mais os três metros de altura. Sem eles aquelas pirâmides dignas de um faraó seriam apenas um simples amontoado de lixo como se houvesse greve de recolha todos os dias.
Por este andar estamos em vias de perder até uma das espécies de maior sucesso dos nossos ribeiros, rios e albufeiras, e que tanto grandes planos têm dado a muitos fotógrafos premiados e não só. Sim, estou a falar daquelas anémonas de água doce que flutuam graciosamente à superfície das águas ao sabor das correntes. Estamos sujeitos a nunca mais poder contemplar este espectáculo sublime que só encontra paralelo nas águas super-conspurcadas dos canais de Veneza. Se nos retirarem as anémonas que façam o serviço completo e acabem também com as garrafas de litro e meio a flutuar.
Mas há mais. Então e quando as mulheres tiverem de por as trouxas dos maridos à porta como vai ser? Com os sacos do intermarché e do lidl já não se podia contar porque a gente sabe que os franceses e os alemães não têm sensibilidade nenhuma, mas os portugueses! Não se esperava uma coisa destas do continente. É uma falta de consideração tremenda para os coirões, adúlteros e equiparados nacionais. Não sei o que vai ser deles. Mas por outro lado é-lhes bem feito. À primeira ainda se compreendia que não estivessem preparados para uma acção de despejo repentina, mas à segunda já deviam estar precavidos com os tais sacos de cinquenta cêntimos que só se compram uma vez e dão para sempre.
Mas se os Soares e os Azevedos se ficam a rir por enquanto, mais tarde vão ver que o negócio lhes vai sair furado. Como é que de futuro vão fazer publicidade das suas casas comerciais na Espanha, na França, em Andorra, na Alemanha, na Suíça, no Brasil, nos Estados Unidos, na Venezuela, no Canadá e tudo o que é cantinho por esse mundo fora onde há portugueses? Não vão. O graveto que ganham com os sacos de cinquenta cêntimos não dá para dez segundos de publicidade por semana numa televisão por cabo de quinta categoria em qualquer destes países. Como é que o governo pensava que os americanos, alemães, franceses, etc., conheciam o continente, o pingo-doce e o supermercado da tia Maria Martinho a ponto de, quando nos visitam, estes estabelecimentos serem locais de passagem obrigatória quando muitas vezes não põem os pés nos Jerónimos, em Fátima ou em Alvalade? Não era dos filmes. Conhecem aquelas marcas por verem os portugueses passar ano após ano com os ditos sacos nas mãos em gares, portos e aeroportos por esse mundo fora. Sim porque era também nesses sacos que os nossos conterrâneos na Diáspora levavam o bom salpicão de Chaves ou queijo da Serra da Estrela para comer e dar a provar aos seus vizinhos. Pois, se não pensaram nisso que tivessem pensado. Agora o Governo que diga à AICEP para pagar a publicidade no estrangeiro a essas empresas e que indemnize os produtores de fumeiro transmontano e os pastores de Manteigas, Seia e Celorico da Beira. Não estou a ver que os queijos e os salpicões de futuro passem a ser transportadas em malas Louis Vuitton.
Que mais acontecerá aos símbolos deste país. Com este Governo e ao ritmo que as velhas com bigode sentadas à soleira da porta estão a ir deste para o outro mundo, no espaço de meia dúzia de anos não haverá mais nada que nos distinga dos outros. E quando assim for o que virão os turistas cá fazer?

Post scriptum. 
Por causa de uma infecção ocular na Sexta-feira à tarde fui a uma farmácia em Coimbra aviar uma receita. Feita a conta e paga a despesa através de multibanco foi-me colocada a mercadoria em cima do balcão, a qual consistia numa pequena embalagem de gotas oftalmológicas e numa bisnaga minúscula de pomada em gel. Depois disto a sr.ª farmacêutica virou costas e ausentou-se. Passados instantes regressou e como eu ainda estava no mesmo local perguntou-me se faltava algum medicamento. Eu, que permaneci no local de forma quase reflexa, respondi-lhe que pensava que a sr.ª farmacêutica se tinha ausentado para ir buscar o saquito para colocar os medicamentos ao que ela me respondeu que agora os sacos tinham que ser pagos. Veio-me um acesso de riso que demorou vários segundos e como a farmácia estava quase cheia de clientes tive de sair para me acalmar. Passado uns instantes entrei novamente na farmácia e, ainda com as lágrimas nos olhos, perguntei à tal farmacêutica.  
- Desculpe minha senhora, mas como tenho os bolsos rotos vou mesmo ter de adquirir o dito «sacalhão». Quanto custa afinal?
- Dez cêntimos. Respondeu a funcionária com o saco minúsculo na mão e esforçando-se para conter o riso.
- E pá!!! Isso é especulação - respondi eu - felizmente vocês não vendem aqui presuntos.
Foi a risada geral e tive mesmo de trazer o medicamento debaixo do barrete porque não me aceitaram novamente o multibanco para pagar a despesa.



2 comentários :

Berto Paixao disse...

O que os portugueses deviam fazer era exigir que os sacos que são obrigados a pagar, não tivessem publicidade pois se pagam tem direito a exigir.
Para esta medida não se ouviu grande alarido contra, porque se fosse alguma coisa que fosse contra esses filhos da p... que nos chulam a toda a hora, moviam as montanhas todas para parar esta medida.

bocaslusas disse...

Excelentisso leitor compreendo a sua indignação mas este é um blog de respeito. Assim, agradeço que tenham moderação na linguagem e não digam impropérios. Talvez fosse mais adequado substituir os termos que utilizou por merdosos, ranhosos, chungosos ou outros do género para não ferir susceptibilidades.

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