Boca n.º 8: Claques de futebol
Não obstante Portugal ainda aparecer relativamente
mal posicionado em alguns indicadores utilizados para medir os diversos índices
de desenvolvimento humano e económico pelas principais organizações
internacionais, é inequívoco que nalguns sectores acompanhamos, para não dizer
superamos, o que de mais avançado existe a nível europeu e mundial: estou a
falar das claques de futebol a propósito do episódio em que alguns elementos do
Chelsea não permitiram a entrada de um passageiro negro no metro de Paris.
Então o que é que distingue as nossas claques das
claques dos outros países?
Desde logo o rigorosíssimo processo de recrutamento e
selecção. Em Portugal os membros das claques não são oriundos das ruelas e
becos sombrios onde a marginalidade dita lei como é comum por essa Europa fora.
Entre nós os membros das claques são essencialmente trabalhadores honestos com
uma grande paixão pelos seus clubes e que têm em comum o facto de, depois de
uma semana de labor, ainda terem coragem para correr o país de lés a lés e puxar
até mais não pela sua equipa do peito.
Mas o sucesso das nossas claques também se deve em
muito à rigorosa bateria de testes a que são submetidos os seus membros e que
incluem provas físicas, médicas e psicotécnicas, a que se segue um intenso
curso de formação nas respectivas academias ultimado por um período probatório
durante o qual o aspirante a membro de claque não pode cometer o mais leve
deslize. Se o fizer é imediatamente censurado em público pelo respectivo
presidente e banido dos estádios para todo o sempre. São estes pormenores, meus
senhores, que fazem naturalmente despontar os membros das nossas claques quando
em confronto com os seus congéneres.
Os resultados de tão exigente formação estão à vista: nunca um membro de uma claque portuguesa se foi
abaixo das canetas nas longas caminhadas até aos estádios de futebol – as
provas físicas servem para alguma coisa; nunca o coração de um membro de uma
claque portuguesa deu o badagaio apesar da maior parte dos jogos serem
impróprios para cardíacos – ora aí está o resultado dos exames médicos, e;
nunca um membro de uma claque portuguesa teve comportamentos inadequados no
estádio ou fora dele – os testes psicotécnicos servem para alguma coisa.
As claques portuguesas não são meros depósitos de
massa-bruta cuja única função é enxovalhar as equipas adversárias, incluindo a
arbitragem, como é regra de Vilar Formoso para lá. Cá não vinga o lema: “se a
nossa equipa é uma bosta não interessa desde que consigamos transformar a
equipa adversária numa bosta ainda maior”. Entre nós, felizmente, os membros
das claques são quase sempre sócios dos clubes com lugar cativo e quotas em
dia, conhecem a história do clube e respeitam as suas referências históricas. As
claques portuguesas não se bastam com o conhecimento das cinco vogais e outras
tantas consoantes indispensáveis à composição de meia dúzia de impropérios. Cá
respeitam-se os oponentes independentemente do facto de virem da Argélia,
Espanha, Camarões, Costa Rica ou do cu de judas, mesmo com provas irrefutáveis de
adultério materno. Cá não se fazem distinções entre brancos e negros, entre calvos
e cabeludos, entre gordos e magros, etc. Quando muito diz-se carinhosamente e
sem qualquer sentido pejorativo, entre outros, “ó black acende a luz”; “ó
careca olha o penteado”, “ó fininho vê lá se comes”, mas sem ofender
ostensivamente as respectivas progenitoras.
Quando as nossas claques são colocadas a uma
distância razoável do relvado não é por causa do mal que eventualmente possam
causar aos intervenientes no espectáculo, muito pelo contrário. O que se
pretende, isso sim, é proteger as claques da pouca habilidade de alguns
executantes que, jogo após jogo época após época, teimam em apontar na cabeça
dos espectadores em vez de acertar na baliza adversária. Tivessem os nossos
jogadores mais certeza nos pés e poderíamos ter as claques junto à linha
lateral como na Inglaterra.
E já que se tornou necessário instalar as famosas caixas
de segurança para proteger as claques das aselhices dos jogadores, acho muito
bem (inclusive é sinal de inteligência), que os ditos dispositivos possam
servir para mais alguma coisa. Por isso, se tiverem a malha tão apertada que
permita evitar a passagem de moscas e mosquitos portadores de doenças tanto
melhor porque jogos há muitos mas vida há só uma. E se eventualmente não for
possível ver os jogos através da rede também não se perde grande coisa atento o
nível da maior parte deles. Nesse caso recomendamos o relato pela rádio que
garante espectáculo independentemente do que se passa dentro das quatro linhas.
Mais vale prevenir do que remediar diz o povo e com
razão. Por isso é necessária extrema cautela ao admitir adeptos desenquadrados
nos estádios sem terem feito qualquer teste físico, médico e psicotécnico como
é exigido aos membros das claques. É que nos momentos de maior tensão estes indivíduos
impreparados não aguentam a pressão e desatam ao murro e
pontapé nos inocentes membros das claques. O futebol transfigura as pessoas a
ponto de os pais de família exemplares, os avós extremosos, as donas de casas
dedicadas e mesmo os adolescentes impúberes se tornarem autênticos cães raivosos
pelo que é preciso proteger as claques destes indivíduos. Se for preciso resguarda-los
numa caixa de segurança que assim seja.
E quando as
claques fazem paragens para abastecimento nas lojas de conveniência das áreas
de serviço de norte a sul do país! Alguma vez na Alemanha, Bélgica ou Albânia se
vê o civismo que existe em Portugal? Não. Naqueles países as claques em regra entram
pela loja adentro e tudo o que seja latas de cerveja, sandes e equiparados marcham
pela porta do cavalo. Alguma vez, como cá, os membros das claques pagam até as
pastilhas elásticas? Nunca, e tenho provas disso: já vi uma claque inteira
entrar na loja de conveniência da área de serviço da Mealhada e esperar pacientemente
por mais de meia hora em bicha pirilau até que o funcionário a pudesse atender.
Mas o nosso sistema também é quase perfeito porque
atende às necessidades das claques e das polícias. Como as polícias não podem ir
lá fora dar umas valentes bastonadas nos hooligans a fim de adquirirem a
prática necessária para os enfrentar quando vêm ao nosso país provocar
desacatos, treinam com o que têm mais à mão, ou seja, treinam no lombo e nas
canelas das claques lusas embora estas sejam pacíficas. Nenhum aspirante a polícia se torna num verdadeiro polícia
se vacilar no teste da bordoada.
E como os cursos de formação das claques nacionais incluem
obrigatoriamente um teste de resistência com carácter eliminatório que consiste
precisamente em levar umas valentes cacetadas da bófia, é ouro sobre azul. A
claque beneficia do serviço sem ter de pagar nada por ele, permitindo de igual
modo perpetuar a máxima de que nenhum pretendente a claquista se torna num
verdadeiro claquista se não passar no teste do cacete.
Por estas e por outras garanto piamente que um
episódio como o do metro de Paris jamais ocorreria com as nossas claques. Ponho
as mãos no lume por elas.
F………..das. Devia estar calado.
Bocaslusas
0 comentários :
Enviar um comentário