quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015


Boca n.º 8: Claques de futebol

Não obstante Portugal ainda aparecer relativamente mal posicionado em alguns indicadores utilizados para medir os diversos índices de desenvolvimento humano e económico pelas principais organizações internacionais, é inequívoco que nalguns sectores acompanhamos, para não dizer superamos, o que de mais avançado existe a nível europeu e mundial: estou a falar das claques de futebol a propósito do episódio em que alguns elementos do Chelsea não permitiram a entrada de um passageiro negro no metro de Paris.
Então o que é que distingue as nossas claques das claques dos outros países?
Desde logo o rigorosíssimo processo de recrutamento e selecção. Em Portugal os membros das claques não são oriundos das ruelas e becos sombrios onde a marginalidade dita lei como é comum por essa Europa fora. Entre nós os membros das claques são essencialmente trabalhadores honestos com uma grande paixão pelos seus clubes e que têm em comum o facto de, depois de uma semana de labor, ainda terem coragem para correr o país de lés a lés e puxar até mais não pela sua equipa do peito.
Mas o sucesso das nossas claques também se deve em muito à rigorosa bateria de testes a que são submetidos os seus membros e que incluem provas físicas, médicas e psicotécnicas, a que se segue um intenso curso de formação nas respectivas academias ultimado por um período probatório durante o qual o aspirante a membro de claque não pode cometer o mais leve deslize. Se o fizer é imediatamente censurado em público pelo respectivo presidente e banido dos estádios para todo o sempre. São estes pormenores, meus senhores, que fazem naturalmente despontar os membros das nossas claques quando em confronto com os seus congéneres.
Os resultados de tão exigente formação estão à vista: nunca um membro de uma claque portuguesa se foi abaixo das canetas nas longas caminhadas até aos estádios de futebol – as provas físicas servem para alguma coisa; nunca o coração de um membro de uma claque portuguesa deu o badagaio apesar da maior parte dos jogos serem impróprios para cardíacos – ora aí está o resultado dos exames médicos, e; nunca um membro de uma claque portuguesa teve comportamentos inadequados no estádio ou fora dele – os testes psicotécnicos servem para alguma coisa.
As claques portuguesas não são meros depósitos de massa-bruta cuja única função é enxovalhar as equipas adversárias, incluindo a arbitragem, como é regra de Vilar Formoso para lá. Cá não vinga o lema: “se a nossa equipa é uma bosta não interessa desde que consigamos transformar a equipa adversária numa bosta ainda maior”. Entre nós, felizmente, os membros das claques são quase sempre sócios dos clubes com lugar cativo e quotas em dia, conhecem a história do clube e respeitam as suas referências históricas. As claques portuguesas não se bastam com o conhecimento das cinco vogais e outras tantas consoantes indispensáveis à composição de meia dúzia de impropérios. Cá respeitam-se os oponentes independentemente do facto de virem da Argélia, Espanha, Camarões, Costa Rica ou do cu de judas, mesmo com provas irrefutáveis de adultério materno. Cá não se fazem distinções entre brancos e negros, entre calvos e cabeludos, entre gordos e magros, etc. Quando muito diz-se carinhosamente e sem qualquer sentido pejorativo, entre outros, “ó black acende a luz”; “ó careca olha o penteado”, “ó fininho vê lá se comes”, mas sem ofender ostensivamente as respectivas progenitoras.
Quando as nossas claques são colocadas a uma distância razoável do relvado não é por causa do mal que eventualmente possam causar aos intervenientes no espectáculo, muito pelo contrário. O que se pretende, isso sim, é proteger as claques da pouca habilidade de alguns executantes que, jogo após jogo época após época, teimam em apontar na cabeça dos espectadores em vez de acertar na baliza adversária. Tivessem os nossos jogadores mais certeza nos pés e poderíamos ter as claques junto à linha lateral como na Inglaterra.
E já que se tornou necessário instalar as famosas caixas de segurança para proteger as claques das aselhices dos jogadores, acho muito bem (inclusive é sinal de inteligência), que os ditos dispositivos possam servir para mais alguma coisa. Por isso, se tiverem a malha tão apertada que permita evitar a passagem de moscas e mosquitos portadores de doenças tanto melhor porque jogos há muitos mas vida há só uma. E se eventualmente não for possível ver os jogos através da rede também não se perde grande coisa atento o nível da maior parte deles. Nesse caso recomendamos o relato pela rádio que garante espectáculo independentemente do que se passa dentro das quatro linhas.
Mais vale prevenir do que remediar diz o povo e com razão. Por isso é necessária extrema cautela ao admitir adeptos desenquadrados nos estádios sem terem feito qualquer teste físico, médico e psicotécnico como é exigido aos membros das claques. É que nos momentos de maior tensão estes indivíduos impreparados não aguentam a pressão e desatam ao murro e pontapé nos inocentes membros das claques. O futebol transfigura as pessoas a ponto de os pais de família exemplares, os avós extremosos, as donas de casas dedicadas e mesmo os adolescentes impúberes se tornarem autênticos cães raivosos pelo que é preciso proteger as claques destes indivíduos. Se for preciso resguarda-los numa caixa de segurança que assim seja.
E quando as claques fazem paragens para abastecimento nas lojas de conveniência das áreas de serviço de norte a sul do país! Alguma vez na Alemanha, Bélgica ou Albânia se vê o civismo que existe em Portugal? Não. Naqueles países as claques em regra entram pela loja adentro e tudo o que seja latas de cerveja, sandes e equiparados marcham pela porta do cavalo. Alguma vez, como cá, os membros das claques pagam até as pastilhas elásticas? Nunca, e tenho provas disso: já vi uma claque inteira entrar na loja de conveniência da área de serviço da Mealhada e esperar pacientemente por mais de meia hora em bicha pirilau até que o funcionário a pudesse atender.
Mas o nosso sistema também é quase perfeito porque atende às necessidades das claques e das polícias. Como as polícias não podem ir lá fora dar umas valentes bastonadas nos hooligans a fim de adquirirem a prática necessária para os enfrentar quando vêm ao nosso país provocar desacatos, treinam com o que têm mais à mão, ou seja, treinam no lombo e nas canelas das claques lusas embora estas sejam pacíficas. Nenhum aspirante a polícia se torna num verdadeiro polícia se vacilar no teste da bordoada.
E como os cursos de formação das claques nacionais incluem obrigatoriamente um teste de resistência com carácter eliminatório que consiste precisamente em levar umas valentes cacetadas da bófia, é ouro sobre azul. A claque beneficia do serviço sem ter de pagar nada por ele, permitindo de igual modo perpetuar a máxima de que nenhum pretendente a claquista se torna num verdadeiro claquista se não passar no teste do cacete.
Por estas e por outras garanto piamente que um episódio como o do metro de Paris jamais ocorreria com as nossas claques. Ponho as mãos no lume por elas.
F………..das. Devia estar calado.

Bocaslusas

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